O livro do filósofo José Gil é um daqueles que uma vez iniciada a sua leitura é difícil de interromper. Uma vez lido, e mesmo ainda durante a leitura, torna-se motivo de conversa com os nossos amigos e conhecidos igualmente "absorvidos" pelo "O Medo de Existir".
Já não sei qual a causa próxima que me levou a adquirir o livro, mas admito que tenha sido a notícia da publicação acompanhada da referência ao facto do filósofo ter sido classificado como um dos 25 mais importantes pensadores do nosso tempo. A razão mais forte terá sido, no entanto, tratar-se de uma reflexão sobre a situação de Portugal.
As ideias de José Gil, as suas teses, são facilmente(?) compreensíveis mesmo se nunca tínhamos pensado nelas.
Dois conceitos entre outros: Portugal o país da "não-inscrição" e a sociedade portuguesa como "espaço não público".
José Gil identifica Portugal como o País da não inscrição sem que essa situação se tenha alterado com o 25 de Abril. Esse conceito traduz a dificuldade que temos em lidar com o passado, o desejo de apagarmos o que nos desagrada, como se nunca tivesse existido. A inscrição, segundo o autor, implica "acção, afirmação, decisão com as quais o indivíduo conquista autonomia e sentido para a sua existência. Foi o salazarismo que nos ensinou a irresponsabilidade – reduzindo-nos a crianças, crianças grandes, adultos infantilizados."
Com o 25 de Abril, segundo o autor, Portugal fez a não inscrição da ditadura, longa de 48 anos, no real. O perdão aos Pides e aos responsáveis políticos pretendeu "recobrir com um véu a realidade repressiva, castradora, humilhante de onde provínhamos."
A situação actual é marcada pela não-inscrição associada à dominância do discurso político "as únicas oportunidades para inscrever o que quer que fosse da existência individual ou colectiva deviam necessariamente passar pelo poder político." O autor identifica várias manifestações dessa não inscrição com factos que no passado recente envolveram protagonistas do sistema político que apesar de apanhados em ilegalidades ou envolvidos em escândalos não deixaram de regressar "à tona incólumes" e reassumirem os seus privilégios. "Nada tem realmente importância, nada é irremediável, nada se inscreve." Cada um de nós pode referir, da sua experiência pessoal, dezenas de exemplos de não-inscrição: aquele senhor, muito bem visto na terra, que fez fortuna, sem nenhum esforço, com a valorização dos seus terrenos decidida pelo seu "compadre" que é autarca; o senhor autarca, ainda hoje capaz de ganhar sucessivas eleições lá na terra, que comprou uma bela casa para a filha em Lisboa, porque o seu compadre é agradecido e um homem tem que ter algum proveito; aquela gente toda que aplaude a fuga à justiça da sua presidente da Câmara; aquele jovem engenheiro municipal, do partido, "muito competente" que fez fortuna em pouco tempo e deixou a câmara muito mais pobre ou aquele senhor do partido que foi dirigir uma empresa do Estado e ficou rico embora a empresa tenha empobrecido, e que lá na terra é uma pessoa muito estimada, sempre disposto a ajudar os pobres. A tudo vamos assitindo e comentando "é a vida".(…)
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