Este é um dos meus blogues favoritos. Sobretudo pela ideia do título e pela ligação ao O´Neill. É claro que gosto, normalmente, do que por lá leio. Mas do "País engravatado todo o ano a assoar-se na gravata por engano" gosta-se toda a vida.
Assim "tomai lá do Ó Neill".

País por conhecer, por escrever,por ler...

País purista a prosear bonito,
a versejar tão chique e tão púdico,
enquanto a língua portuguesa se vai rindo,
galhofeira, comigo.

País que me pede livros andejantes
com o dedo, hirto a correr as estantes.

País engravatado todo o ano
e a assoar-se na gravata por engano

País onde qualquer palerma diz,
a afastar do busílis o nariz:
- Não, não é para mim este país!
Mas quem é que bàquestica sem lavar
o sovaco que lhe dá o ar?

Entricheirem-se, hostis, os mil narizes
que há neste país.

País do cibinho mastigado
devagarinho

País amador do rapapé,
do meter butes e do parlapié,
que se espaneja, cobertas as miúdas,
e as desleixa quando já ventrudas.

O incrível país da minha tia,
trémulo de bondade e aletria.

Moroso país da surda cólera,
de repente que se quer feliz.

Já sabemos, país, que és um homenzinho...

País tunante que diz que passa a vida
a meter entre parêntesis a cedilha.

A damisela passeia
no país da alcateia,
tão exterior a si mesma que não é senão a fome
com que este país a come.

País do eufemismo, à morte dia a dia
pergunta mesureiro: - como vai a vida?

País dos gigantones que passeiam
a importância e o papelão,
inaugurando esguichos no engonço
do gesto e do chavão.

E ainda há quem os ouça, quem os leia,
lhes agradeça a fontanária ideia!

Corre, boleada, pelo azul,
a frota de nuvens do País.

País desconfiado a recolhar por cima
dum ombro que, com razão, duvida.

Este país que viaja a meu lado,
vai transido, mas vai transistorizado.

Nhurro país que nunca se desdiz.

Cedilhado o cê, país, não te revejas
na cedilha, que a palavra urge.

Este país, enquanto se alivia,
manda-nos à mãe, à irmã, à tia,
a nós e à tirania,
sem perder tempo nem caligrafia.

Nesta mosquitomaquia
que é a vida,
ó país,
que parede comprida!

A Santa Paciência, país, à tua padroeira,
já perde a paciência à nossa cabeceira.

País pobrete e nada alegrete,
baú fechado com um aloquete,
que entre dois sudários não contém senão
a triste maçã do coração.

Que Santa Sulipanta nos conforte
na má vida, país, na boa morte!

País das troncas e delongas ao telefone
com mil cavilhas para cada nome.

De ramona, país, que de viagens
tens, tão contrafeito...

Embezerra, país, que bem mereces,
prepara, no mutismo, teus efes e teus erres.

Desaninhada a perdiz,
não a discutas, país!
Espirra-lhe a morte pra cima
com os dois canos do nariz!

Um país maluco de andorinhas
tesourando as nossas cabecinhas
de enfermiços meninos, roda-vida
em que entrássemos de corpo e alegria!

Estrela trepa trepa pelo vento fagueiro
e ao país que te espreita, vê lá se o vês inteiro.

Hexágono de papel que o meu pai pôs no ar,
já o passo a meu filho, cansado de o olhar...

No sumapau seboso da terceira,
contigo viajei, ó país por lavar,
aturei-te o arroto, o pivete, a coceira,
a conversa pancrácia e o jeito alvar.

Senhor do meu nariz,franzi-te a sobrancelha;
entornado de sono, resvalaste pra mim.
Mas também me ofereceste a cordial botelha,
empinada que foi, tal e qual clarim!


Alexandre O´Neill. "O País relativo."


 

Pedra do Homem, 2007



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