Na passada segunda-feira quando escutava a Antena Miróbriga – a única rádio local, do Litoral Alentejano, que dá uma informação livre da "pata censória" do autarca de serviço – tive oportunidade de escutar as declarações do Presidente da Câmara de Grândola sobre alguns "projectos estruturantes" para o seu concelho. Para Carlos Beato, esses projectos "são investimentos estruturantes que vão criar milhares de postos de trabalho para o concelho". Trata-se de dois mega-empreendimentos que se situam perto de Melides. Um da responsabilidade da imobiliária Pelicano e outro da empresa, de capitais suíços, Costa Terra. O primeiro é o loteamento do Pinheirinho que ocupará 200 hectares e o segundo é o loteamento da Costa Terra que ocupará mais 200 hectares. No seu conjunto implicam 5700(!!!)novas camas.
Importa esclarecer de uma vez por todas o que significa isto dos projectos estruturantes. Porque razões são estas operações imobiliárias estruturantes? E quanto aos postos de trabalho a criar, será que o presidente da autarquia de Grândola nos pode esclarecer sobre o seu número e as suas características? Trabalho qualificado e com direitos? Trabalho desqualificado, sazonal, e sem direitos? Trabalho durante a fase de construção ou para lá dessa fase? E, se possível, quais as receitas da autarquia em taxas municipais de urbanização e quais os custos a longo prazo com a gestão e conservação das infra-estruturas públicas (rede viária, abastecimento de água, drenagem e tratamento de esgotos, iluminação pública, rede de comunicações etc,). Isto é, quais os custos da rentabilização social de tais investimentos privados? Será que "estruturante" tem alguma coisa a ver com desenvolvimento? E qual o conceito de desenvolvimento que se aplica no concelho de Grândola? A aposta é na valorização da propriedade fundiária ou existe uma ideia precisa de desenvolvimento com a criação de uma cultura de resistência à tirania do curto prazo e uma capacidade para avaliar a razoabilidade dos objectivos dos tais projectos estruturantes?
O que já se sabe é que estamos perante duas operações imobiliárias de grande envergadura, sob a designação "protectora" de empreendimentos turísticos, que têm na sua origem uma operação de alteração do uso do solo. Essa alteração do uso do solo rústico para urbano é geradora de gigantescas mais-valias simples que são apropriadas, na sua totalidade, pelas entidades promotoras. Essas entidades são identificadas na literatura científica sobre estas questões como agentes catalizadores da alteração do uso do solo rústico para urbano. São normalmente referidas as entidades com grande capacidade financeira, como os Bancos, as Seguradoras e os Fundos Imobiliários. Recorde-se que a imobiliária Pelicano pertence ao grupo Espírito Santo, tal como a Portucale em Benavente, agora tão na berra pelas piores razões.As autarquias são referidas como agentes permissivos. Não sendo os únicos, pois ainda antes do ex-ministro Nobre Guedes já muitos despachos governamentais reconheceram a "utilidade pública" deste ou daquele projecto estruturante. Já agora, a título de esclarecimento: mais-valias simples são aquelas que resultam de decisões da Administração Pública e que não implicam qualquer mérito por parte dos promotores. Os países nos quais a Administração segue uma lógica de defesa do interesse público, caso da Holanda, da Suécia e da Alemanha entre outros, conscientes da impossibilidade de tributarem estas mais-valias simples, optaram pela sua socialização, isto é, pela sua retenção na posse da Administração.

PS – O autarca de Grândola queixou-se do facto de "por razões processuais, estivemos mais de uma dúzia de anos à espera que eles fossem aprovados nos vários organismos governamentais". Vamos lá ver se eu compreendo. Estes projectos estruturantes não foram concretizados pela anterior gestão comunista do concelho por "razões processuais"? E se tivessem sido concretizados, com a criação dos tais "milhares de postos de trabalho", quem seria o actual presidente da autarquia? Será que existe ao nível autárquico uma "ideologia" dos projectos ditos estruturantes?


 

Pedra do Homem, 2007



View My Stats