Que a força do medo que eu tenho,
não me impeça de ver o que anseio.

Que a morte de tudo em que acredito
não me tape os ouvidos e a boca.

Porque metade de mim é o que eu grito,
mas a outra metade é silêncio...
Que a música que eu ouço ao longe,
seja linda, ainda que triste...
Que a mulher que eu amo
seja para sempre amada mesmo que distante.
Porque metade de mim é partida
mas a outra metade é saudade.
Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece, e nem repetidas com fervor, apenas respeitadas, como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos.
Porque metade de mim é o que ouço,
mas a outra metade é o que calo.
Que essa minha vontade de ir embora se transforme na calma e na paz que eu mereço.
E que essa tensão que me corrói por dentro seja um dia recompensada.
Porque metade de mim é o que eu penso
mas a outra metade é um vulcão.
Que o medo da solidão se afaste
e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável.
Que o espelho reflicta em meu rosto, um doce sorriso, que me lembro ter dado na infância.
Porque metade de mim é a lembrança do que fui,
a outra metade eu não sei..
Que não seja preciso mais do que uma simples alegria para me fazer aquietar o espírito. E que o teu silêncio me fale cada vez mais.
Porque metade de mim é abrigo, mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta, mesmo que ela não saiba.
E que ninguém a tente complicar
porque é preciso simplicidade para fazê-la florescer.
Porque metade de mim é plateia,
e a outra metade é canção.

E que a minha loucura seja perdoada.
Porque metade de mim é amor,
e a outra metade... também...


(Oswaldo Montenegro)


 

Pedra do Homem, 2007



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