Pela cobertura feita pelas diferentes televisões à visita de Bill Gates a Portugal teme-se que os jornalistas de serviço, empolgados como estão com o "mundo Bill Gates", num momento de criatividade se refiram ao patrão da Microsoft como o homem que inventou a Internet.
Se fizermos a pergunta à generalidade dos cidadãos a resposta maioritária não andará longe desta. Inquéritos semelhantes feitos nalguns países com a pequena diferença de se perguntar o que era a Internet obtiveram como resposta maioritária: "um produto Microsoft".
Mas a Internet deve muito pouco a BillGates. Manuel Castells no seu famoso livro(*) " A Galáxia internet. Reflexões sobre Internet, Negócios e Sociedade"" explica as razões pelas quais a Internet teve tanto sucesso e se desenvolveu de forma tão rápida à escala global. Castells salienta como factores determinantes desse suceso a arquitectura aberta da Internet e a existencia de uma cultura Internet.
"(...) o carácter aberto da arquitectura da Internet constitui a sua principal força. O seu desenvolvimento auto-evolutivo permitiu que os utilizadores se convertessem em produtores de tecnologia e em configuradores da rede.(...) A história da tecnologia demonstra que a contribuição dos utilizadores é crucial para a sua produção e que a adaptam aos seus próprios usos e valores e, finalmente, transformam a própria tecnologia (...) mas no caso da Internet é especial. Os novos usos da tecnologia assim como as modificações efectuadas nessa tecnologia, são transmitidas de regresso ao mundo inteiro, em tempo real. Assim, reduz-se extraordinariamente o lapso de tempo decorrido entre os processos de aprendizagem através do uso e a produção para o uso, tendo como resultado a entrada num processo de aprendizagem através da produção, num círculo virtuoso, que se estabelece entre a difusão da tecnologia e o seu aperfeiçoamento(...)"
Quanto à cultura Internet o autor salienta que esta se caracteriza "por ter uma estrutura em quatro estratos sobrepostos: a cultura tecnomeritocrática, a cultura hacker, a cultura virtual e a cultura empreendedora. Juntos contribuem para uma ideologia da liberdade, muito generalizada no mundo da Internet(...) Estes estractos estão dispostos hierarquicamente: a cultura tecnomeritocrática constitui-se como cultura hacker através de normas e costumes gerados nas redes de cooperação em torno de projectos tecnológicos. A cultura comunitária virtual acrescenta uma dimensão social à cooperação tecnológica ao fazer da Internet um meio de interacção social selectiva e de pertença simbólica. A cultura empreendedora funciona cam base na cultura hacker e na cultura comunitária, para difundir as prácticas da Internet em todos os âmbitos da sociedade, a troco de dinheiro(...) Por exemplo não se pode negar que Bill Gates e a Microsoft simbolizam, ou simbolizaram , a cultura empreendedora pelo menos nas etapas iniciais da empresa. Sem dúvida não foram produtores da Internet em termos tecnológicos. De facto passou-lhes ao lado até 1994. Apesar de Bill Gates ter sido hacker na sua juventude , não fazia parte dessa cultura, a qual chegou a acusar colectivamente na sua famosa Carta Aberta ( Open Letter to the Hobbyists ). Ao afirmar a primazia dos direitos de propriedade ( Gates: quem pode permitir-se a trabalhar a troco de nada? "Who can aford to do professional works for nothing? ) ele colocava a ganância acima da inovação tecnológia. Assim, a Microsoft representa a corrente empreendedora que se desenvolveu ao comercializar o processo de inovação tecnológico na informática sem partilhar os valores fundadores dessa inovação."
A resitência a revelar os códigos fonte dos seus produtos aí está para o atestar se necessário fosse.
Bill Gates é mais do estilo: o segredo é a alma do negócio.
(*) edição da Fundação Calouste Gulbenkian de 2004.
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