O Diário de Notícias de hoje notícia que "Autarquias representam 42% da corrupção investigada pela PJ". Trata-se da revelação daquilo que, para muitos dos cidadãos, é hoje uma evidência. Acresce o facto de a PJ, tanto quanto se percebe, não saber da história a metade. Em Portugal a grande corrupção autárquica exerce-se nos processos de licenciamento e associada a dois aspectos: mudanças de uso do solo e densificação dos níveios de construção. Explico em poucas linhas. Alguém compra um terreno rústico que acabou de receber uma informação municipal inviabilizando qualquer construção. Compra barato digamos a 20Euros o metro quadrado. A Autarquia um ano depois revê o perímetro urbano integra o terreno nas áreas urbanizáveis e atribuí-lhe um índice de construção de 0,7. Num terreno de um hectare a mais valia simples é de 850.000 Euros, considerando um valor de venda do tereno para construção de 150 €m2, um valor baixo hoje em dia. No caso de 10 hectares a mais valia seria de 8.500.000 €. Há dinheiro para distribuir por toda a gente.
Alguém tenta vender um terreno herdado dos pais com uma casa velha de r/c e um logradouro enorme. A autarquia informou que no logradouro não pode construir nada pois o regulamento do PU e do Plano de Salvaguarda da Zona Histórica proíbe especificamente a construção em logradouros. O senhor vendedor vende os 80 metros quadrados da área de implantação da casa e os 220 metros do logradouro por um preço simpático de 35.000 euros. Passados seis meses o senhor comprador consegue licenciar - milagres destes acontecem muitas vezes mas só a alguns - e iniciar a construção de um edificio plurifamiliar com três pisos e ocupando a área total disponível, isto é 300 m2, numa área de construção total de 900 m2. O senhor vendedor foi lesado em pelo menos 100.000 Euros ( admitindo um preço /m2 de área de construção de 150€, um preço modesto para simplificar). Foi o que o senhor comprador ganhou. Não terá ganho sozinho.
É claro que as pessoas são todas sérias. Todos somos sérios quando não nos rimos. O problema é o ambiente, isto é a envolvente. Ela é propícia ao crescimento da coisa e depois como diz o povo na presença da tentação constata-se que a carne é fraca.

Adenda: Nas empreitadas a coisa não é menos grave. Aí o que conta são os trabalhos a mais, quase sempre recorrendo aos projectistas como bode expiatório. O dinheiro fica nos bolsos dos outros, dos verdadeiros responsáveis da coisa.


 

Pedra do Homem, 2007



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