Nestes tempos amargos e dificeis de desigualdades antigas e novos e velhos privilégios as esperanças que Abril nos trouxe continuam em grande parte por cumprir. Há a liberdade mas faltam as condições de exercício dessa mesma liberdade. Como cantava Sérgio Godinho - e como se mantêm actual essa canção - "só há liberdade a sério quando houver: a paz, o pão, saúde, educação, liberdade de pensar e decidir quando pertencer ao povo o que o povo produzir(...)"
Os novos senhores nacionais, regionais e, os mais sinistros, os novos senhores locais, os "caciques de nova geração", sem ideias, sem ideais, sem estratégia, com uma sede ilimitada de poder, impõem o seu mando e o seu arbítrio. Os cidadãos são tratados de acordo com a flexibilidade da sua coluna vertebral. A competência, a idoneidade, a seriedade não são valores absolutos. Depende da orientação política do portador. Os "nossos" não são incompetentes, corruptos ou canalhas. São os nossos e isso absolve-os de todas as canalhices de todas as corrupções.
Nestes tempos, tristes, volta a estar na ordem do dia a ida ao Paço para pedir a tença.

Irás ao Paço. Irás pedir que a tença
seja paga na data combinada
Este país te mata lentamente
País que tu chamaste e não responde
País que tu nomeias e não nasce.

Em tua perdição se conjuraram
Calúnias desamor inveja ardente
E sempre os inimigos sobejaram
A quem ousou seu ser inteiramente

E aqueles que invocaste não te viram
Porque estavam curvados e dobrados
Pela paciência cuja mão de cinza
Tinha apagado os olhos no seu rosto

Irás ao Paço irás pacientemente
Pois não te pedem canto mas paciência

Este país te mata lentamente

Sophia de Mello Breyner Andresen. Camões e a Tença.


 

Pedra do Homem, 2007



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