O post sobre o Jardim do Luxemburgo do António Oliveira e Silva que, pela produção, merece já uma quota na administração do pedra do homem, seria um bom ponto de partida para uma reflexão sobre a importância do espaço público na cidade. Ou, melhor ainda, sobre a natureza do espaço público na cidade globalizada. Mas como isso é pesado quanto baste para uma sexta-feira à noite deixo-vos dois pequenos apontamentos.
Em primeiro lugar a tradição francesa do paisagismo e da sua importância, está ligada a um grande nome da arquitectura paisagística de todos os tempos: André Le Nôtre. A sua obra maior foi o parque de Vaux-le-Vicomte , mandado construir por Fouquet, ministro das Finanças de Luís XIV, em 1652 e que foi concluído em 1661.
A festa de inauguração de Vaux-Le-Vicomte, organizada por Fouquet em honra de Luís XIV, foi tão estrondosa, o jardim era tão extraordinário, que o rei decidiu, ali mesmo, o fim do seu ministro das finanças e a construção de um novo jardim capaz de o ofuscar. Dessa forma Fouquet foi amargar o resto dos seus dias para a prisão, na fortaleza de Pignerol, no Piemonte francês, enquanto Le Nôtre era convidado a construir o famoso jardim de Versailles. Famoso mas irrelevante face à originalidade de Vaux-le.Viconte. Até porque Versailles foi posteriormente objecto de diversas alterações que não o valorizaram. Versailles é um remake ciumento mandado construir por um rei despeitado com a finesse e o vanguardismo de um seu súbdito.
Dizem alguns urbanistas, e eu assino por baixo, que Vaux-le-Viconte é o momento inicial em que se valoriza a axialidade na paisagem e na composição das cidades, de que o período barroco dá abundante testemunho.
A outra questão tem a ver com a designação do Barão Haussmann como o arquitecto Haussmann. Julgo que se trata de uma designação, nesse sentido rigorosa, que tem a ver com o facto de ter sido ele - militar de profissão - o que arquitectou a cidade de Paris tal como ela chegou aos nossos dias. Uma obra prima da arte urbana que permanece até aos nossos dias e que foi exportada para outras cidades francesas e europeias. Haussman utilizou diversos elementos na composição urbana de que merecem destaque "a avenida - o boulevard - que une pontos da cidade; a praça como lugar de confluência de vias, e placa giratória das circulações, quase sempre em rotunda que organiza o cruzamento de vários traçados; o quarteirão que é determinado como produto residual de vários traçados, e não como módulo de composição urbano(1)." Haussman foi, juntamente com Ildefonso Cerdá, o celebrado autor da "Teoria general de la urbanizacion" de 1867 que deu lugar ao Plano de Urbanização de Barcelona, um dos maiores urbanistas de todos os tempos.

(1) A este propósito é obrigatório ler o trabalho do arquitecto e notável urbanista - a maioria não merece essa classificação, aliás como a maioria dos engenheiros - infelizmente já falecido, José Lamas: "Morfologia Urbana e Desenho da Cidade". Nunca se escreveu nada igual em Português.
José Lamas foi o autor do Plano Director da Expo 98 (estudo Preliminar), juntamente com o arquitecto Carlos Duarte. Plano que integrou a candidatura portuguesa à realização da exposição. Na sua proposta retoma a quadrícula na tradição da Baixa lisboeta e a grande praça sobre o rio.
Como todos sabemos o mérito deste trabalho tem sido atribuído a vários figurões e medalhados da nossa praça enquanto se lança um silêncio ruidoso sobre a intervenção de José Lamas.


 

Pedra do Homem, 2007



View My Stats