Muito se tem escrito, lido e ouvido sobre o envenenamento do ex-agente do KGB Alexander Litvinenko. As ramificações que envolvem o crime e os passos que a polícia inglesa agora segue fazem parte de um bom thriller de lotação esgotada. Todas as pistas deste crime parecem apontar para o Kremlin. Fazemos essa leitura quase por instinto, por um lado pela velha escola de um cinema guerra-fria, mas também pelo comportamento pouco claro e comprometido do governo russo face a inúmeras questões, tais como a questão chechena e o recente assassinato da jornalista russa Anna Politkovskaya. Esse apontar do dedo, tanto ao governo russo como à FSB (a sucedânea da KGB) foi feito pela grande maioria da comunicação social ocidental, o que foi muito mal recebido por alguma da imprensa russa. Estas tomadas de posição mostram-nos que por realidade ou ficção ainda existe um terreno pantanoso da pós guerra-fria onde se movimentam ex-espiões e ex-agentes por meio dos novos poderes instalados e das novas e velhas oligarquias. É assim como uma central atómica ou uma perigosa arma que aparentemente foi desactivada, mas que nos pode supreender com uma explosão inesperada, com perigos eminentes.
Mas tal como num thriller audacioso, que troca as voltas ao expectador, este tipo de casos passam-se no domínio público exactamente como um boa história de cinema cujo fim fica em suspenso. Fica-se com a impressão que algo nos escapa, que os verdadeiros implicados são esquivos, demasiado poderosos para serem punidos. Seguiremos os desenvolvimentos e teremos duas hipóteses (que deconfiaremos): ou nos apresentam os possíveis culpados ou o tempo vai apagando o trilho deste caso que será substituido por outro na comunicação social.
Lembram-se de David Kelly, o cientista encontrado morto que pôs em causa o dossiê que justificava a participação do Reino Unido na guerra do Iraque? Que eu saiba nunca mais se ouviu falar desse caso. E mesmo por cá, os casos Casa-Pia? Não perdemos já todos o fio à meada nessa interminável telenovela? Às vezes tem-se a sensação que a grande maioria das notícias são instrumentos de manipulação e que os verdadeiros culpados escondem-se nas figuras abstratas do estado, nas polícias secretas, nas instituições. Os verdadeiros implicados não têm um rosto, diluem-se nos instrumentos do poder. O poder ofereceu-lhes, a eles, essa possibilidade. E isto não é Le Carré, é a realidade.
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