Uma das coisas que maior excitação provocou na entrevista de Soares foram as referências elogiosas a Chavez, o truculento presidente da Venezuela. Soares acha, tanto quanto me parece sinceramente, que os episódios supostamente manifestadores de um impulso ditatorial por parte de Chavez são questões menores. Na sua entrevista não faz referência a qualquer um deles em particular a tão badalada não renovação da licença de um grupo de televisão. O que para Soares é importante é o facto de Chavez ostensivamente hostilizar o poderio americano e propor uma integração dos paises latino americanos, tradicionalmente explorados ad nauseum pelo Tio Sam, de forma a construirem uma potência política regional estruturada a partir do poder que emana dos seus recursos naturais, particularmente dos energéticos. Há quem faça o mesmo noutras partes do mundo, sem que o coro das virgens ofendidas se manifeste. Acresce o facto de Chavez - a constatação de um facto - ter canalizado os dividendos do petróleo para promover uma mais justa distribuição dos rendimentos nacionais. Isso é a base do seu inquestionável apoio popular e a razão pela qual as sucessivas tentativas de o derrubar não resultaram. Num mundo submetido à lógica do fato único do "consenso de Washington" o exemplo venezuelano não deixa de ser estimável. Para Soares, tanto mais, quanto todo o discurso político de CHavez se constrói a partir do confronto com o seu poderoso vizinho americano.
O problema com Chavez não é ter fechado a televisão que dizia mal do Governo. Antes de Chavez nunca existiu qualquer televisão que se atrevesse a criticar qualquer Governo. E se alguma televisão tivesse tido uma deriva anti-americana ou anti-imperialista teria acabado no mesmo dia. E não só na Venezuela. O problema com Chavez é que o homem destila populismo por todos os poros. E parece não olhar a meios para atingir os seus fins que, parece, passam pela criação de condições para a sua perpetuação no poder e pela redução das condições das oposições. Nada que não tenha sido sempre praticado com eficácia na Venezuela e sempre contra a esquerda mas que, lá por essa espécie de legitimidade histórica às avessas, me desagrada profundamente. A esquerda não pode copiar as metodologias mais abjectas da direita. Chavez ameaça estar tentado a fazê-lo. Lamentável.

PS - por estas e por outras é que Soares me agrada muito. Pela sua leveza, pela sua irreverência, pela suas manifestas "saudades do futuro". Perdou-lhe, passe o exagero, por isso, todas as contradições, omissões e etc. Aliás, gosto muito de contradições.


 

Pedra do Homem, 2007



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