montra da livraria A das Artes em Sines
"Senhor presidente

No âmbito do “Projecto Verão Arte Contemporânea em Sines” do CCEN, Ana João Romana revestiu montras e janelas de instituições e de espaços comerciais da cidade com textos baseados na colecção de memórias das pessoas sobre os 21 anos de actividade do Centro Cultural Emmerico Nunes. A resposta por parte dos proprietários e dirigentes foi de adesão, de colaboração e de entusiasmo. No entanto, a artista viu vedada a utilização de alguns centímetros quadrados (70cmx20cm) das imensas janelas do Centro de Artes. Estranha forma de tratar a cultura e também as memórias de alguns sineenses que colaboram com a autora. Muitos de nós já nos habituámos a vê-lo relacionar-se com este edifício como se da sua própria casa se tratasse. Mesmo assim, convém recordar-lhe que o património municipal pertence ao povo deste concelho que o paga e, como tal, deveria estar ao seu serviço e das suas instituições.
É devido a esta e outras tropelias de “autarcas culturais” que as nossas colectividades estão a atravessar, possivelmente, a maior crise do período pós 25 de Abril de 1974. Porque estes continuam a basear a sua acção em paradigmas de outros tempos.
Há mais de setenta anos as activíssimas bibliotecas populares e operárias e as colectividades de cultura e recreio, começaram a ver a sua actividade limitada e os seus dirigentes a enfrentarem a prisão. Mesmo assim resistiram e levaram a cabo importantes iniciativas de acção cultural. Foi então que surgiu a figura do intelectual modernista António Ferro que, de certa forma, deu uma volta significativa à política cultural instituída, onde a célebre FNAT (Federação Nacional para a Alegria no Trabalho) assumiu um papel decisivo no projecto de propaganda politica. A partir daqui o estado impõe as suas convicções filosóficas e estéticas, organiza eventos desportivos e culturais por todo o sítio e seca tudo o que mexe à sua volta.
Tal como hoje e aqui, sem espaço de actuação e sem meios, as colectividades entram em declínio e acabam, na sua maioria, por cessar a sua actividade primordial. É por isso que a participação activa e cívica das populações começa a ser substituída por atitudes passivas e alienantes.
O poder fornece-lhe os seus arquétipos culturais para que sejam devorados passivamente, o diletantismo pasta por tudo o que cheira a evento das modas, o associativismo definha, o exercício da cidadania deixa de fazer qualquer sentido e os políticos, tal como antes, actuam neste caldo de cultura com vista à consolidação das suas redes efémeras de poder.
Mas mesmo com o garrote asfixiante do seu poder apertado ao limite, os cidadãos e apoiantes desta instituição têm sabido resistir, e lembro-lhe que no panorama nacional das artes plásticas o Centro Cultural Emmerico Nunes e este projecto viram duas das suas exposições serem distinguidas pela crítica de arte entre as melhores do país: 2005, José Loureiro (pintura); 2006, Pedro Valdez Cabral (instalação).

Como tudo na vida, também o poder não é eterno.
Sines, 31 de Julho de 2007


(Luís Silva, sócio fundador da Cooperativa CCEN e cidadão eleitor nº 9748, Sines)"


 

Pedra do Homem, 2007



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