Na excelente opinião que tem de si próprio o Dr. Miguel Júdice acha, Público do dia 3 de Agosto, que nenhum homem de direita reflectiu tanto e leu tanto, quanto ele, sobre as esquerdas e as suas desventuras e desgraças, que de venturas não encontra nada que se veja. Não fornecendo o emérito causídico a bibliografia, extensíssima certamente, que devorou e o deixou neste estado ficamos vergados ao peso, insuportável, das três obras que cita.
O Dr. Júdice, segundo o próprio, encontra-se tranquilamente no lugar ideológico para o qual caminham ou convergem as almas penadas da esquerda que, percorrendo a via sacra da negação e da descrença nos marxismos, nos totalitarismos e do tutti-quanti ideológico, conseguem, num must de modernidade, aí chegar. O lugar dos que, não partindo do mesmo sítio que ele, aí chegam felizes e salvos depois de "deixarem de acreditar" e de "perceberem o que estava errado."
Nesse lugar, idilicamente situado à beira Tejo, recebe ele essa esquerda moderna já purificada segundo o seu próprio Código e que, para seu contentamento, ocupa agora o Governo do país e da Cidade. Essa esquerda traz para presentear o Dr. Júdice - como paga pelo seu reconhecimento e amizade, pela forma como castiga, com a sua erudita acutilância e uma militância notável, as oposições ao Governo(*) - as chaves da zona ribeirinha da cidade ou melhor da parte ainda live da betonização em curso, que urge acelerar para bem da competitividade da capital, etc e tal.
Apenas uma coisa poderia corromper este momento solene: que António Costa, ainda com o "acordo" demasiado fresco na memória, designasse Sá Fernandes para representar a cidade na equipa a que o Dr. presidirá. Ou talvez não. O dr Júdice, das leituras que fez sobre as esquerdas, saberá exactamente em que tempo remoto se encontra ainda o Bloco de Esquerda e não terá dificuldades em traduzir para esse tempo e para essa linguagem as sabias decisões que vier a tomar. Enquanto as traduções não estiverem concluídas poderá sempre recorrer à linguagem gestual.

Adenda - (*) - Aqui queria obviamente referir-me ao PSD, tout-court.


 

Pedra do Homem, 2007



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