O Público de hoje refere-se por duas vezes à intenção da Câmara de Lisboa de anular o negócio com a Bragaparques. Uma primeira é numa notícia de Ana Henriques e a segunda é no Editorial assinado pelo seu director. A notícia dá conta dos diferentes pontos de vista em presença e revela que, segundo a estimativa do vereador Sá Fernandes, a Câmara pode recuperar cerca de 76 milhões de euros, correspondentes à diferença entre o valor pago pela Bragaparques e o seu valor de mercado, para os mesmos índices urbanísticos. A posição do PSD - expressa pela autarca Margarida Saavedra - é a clássica : "a atitude [de denunciar o negócio] é leviana e a autarquia pode ser acusada de má-fé negocial". Não há memória do mesmo tipo de preocupação quando se trata de negociar em, claro, prejuízo da cidade e dos seus cidadãos. Sá Fernandes pode ser acusado de muita coisa mas não de se ter calado e de não ter alertado em tempo oportuno.
No editorial, José Manuel Fernandes resume as posições da autarquia ao apoio de António Costa à "causa que José Sá Fernandes, o seu aliado do Bloco de Esquerda, perdeu numa primeira apreciação pelo Ministério Público. Pelo caminho teme-se que siga o mesmo percurso dos anteriores presidentes: enredar-se no imbróglio do Parque Mayer e perder anos preciosos em lítigios judiciais."
Independentemente da justeza das preocupações com o arrastar de decisões que são relevantes para a cidade e para os cidadãos, o que JMF parece não querer ver é que aquilo que está verdadeiramente em jogo é a possibilidade de se quebrar um ciclo em que o património da cidade é utilizado não para a sua valorização e a melhoria da qualidade de vida dos seus cidadãos mas tão somente, para permitir que alguns promotores/especuladores enriqueçam pela captura das mais-valias urbanísticas associadas ao processo de desenvolvimento urbano. E - caso a autarquia de Lisboa seja bem sucedida nos seus propósitos, sem cair na tentação de se substituir aos especuladores fazendo mais do mesmo - à hipótese do executivo poder intervir no processo de desenvolvimento urbano, uma obrigação constitucional que tem sido incapaz de cumprir(*), quebando a lógica do fatalismo dominante que submete desde há décadas os destinos de Lisboa aos interesses de um grupo restrito de poderes económicos.
Talvez neste caso Lisboa possa ser um exemplo para o País e recupere a importância de ser a sua capital.
(*) - Faço uma precisão: Os diferentes executivos, de esquerda ou de direita - sou dos que pensam que entre a esquerda e a direita não tem existido diferença a este nível - têm-se caracterizado pela omissão nesta matéria. A omissão não deixa, no entanto, de ser a expressão de uma vontade política.
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