O Relatório do LNEC, disponível aqui, é um documento cuja leitura implica trabalho, tempo e disponibilidade intelectual, além de que algum conhecimento nestas matérias também não seria propriamente uma má companhia. Nessa perspectiva ainda bem que não somos nós os cidadãos a terem que decidir. São os eleitos e, tendo já decidido, parece-me que decidiram bem com base numa análise séria das questões em jogo.
Refiro com agrado o facto de o LNEC ter solicitado para a parte do Relatório que analisa a questão do Ordenamento do Território a colaboração do professor Paulo Correia, engenheiro civil e urbanista, professor no Instituto Superior Técnico. Este urbanista, que presidiu até muito recentemente à União dos Urbanistas Europeus que elaborou a nova Carta de Atenas, foi o autor do Modelo Territorial do PROT-AML (Plano Regional de Ordenamento do Território da Área Metropolitana de Lisboa) que é um documento que tem que estar presente na análise das decisões como a da Terceira Travessia do Tejo (TTT). Tal como aliás as orientações que estão expressas no PNPOT(Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território) recentemente aprovado(D-L 52/2008).
No relatório , cuja leitura recomendo, conclui-se que a ligação Chelas-Barreiro é a única que permite concretizar o modelo territorial da AML que assenta "nos seguintes princípios fundamentais: Lisboa, entendida como cidade expandida e polinucleada, deve corresponder a uma cidade de duas margens, em volta do estuário do Tejo; Lisboa - concelho é (apenas) o centro da cidade expandida e da sua área metropolitana; Lisboa enquanto cidade expandida deve evoluir de uma cidade polinucleada para uma cidade policêntrica, isto é, em que os pólos urbanos de segunda ordem se afirmem progressivamente como centros especializados, numa rede de centros complementares.(...)"

Em conclusão o relatório afirma que "com a travessia ferroviária Chelas-Barreiro, sobretudo se incluir também a componente rodoviária: É significativamente corrigida a equidade face a outros eixos radiais da AML; São criadas condições necessárias, ainda que não suficientes, para inversão da tendência de litoralização da AML; São criadas condições para a reconversão urbana das áreas degradadas e obsoletas do Arco Ribeirinho, as quais dependem também da ocorrência de outros investimentos a nível local já descritos (extensão do MST, promoção da intermodalidade e convergência da iniciativa privada para objectivos públicos); É promovida a coesão interna da Península de Setúbal e do seu Arco Ribeirinho e criadas condições para o desenvolvimento do policentrismo e das suas especializações no quadro da AML; É promovida a convergência, numa primeira fase, das oportunidades, e numa segunda fase, dos níveis de desenvolvimento das unidades territoriais da Península de Setúbal; São criadas condições que minimizam a pressão sobre espaços naturais protegidos e o alargamento e a dispersão excessivas das áreas urbanas próximas do litoral no contexto metropolitano(...)"

Por outro lado com a ligação Beato-Montijo "não é corrigida a equidade face a outros eixos radiais da AML, sendo apenas reforçada a ligação entre Lisboa e o Montijo e Alcochete, no extremo nascente do Arco Ribeirinho, o menos populoso desta unidade territorial, e próximo de áreas protegidas; Não são criadas condições para inversão da tendência de litoralização da AML, uma vez que as condições de acessibilidade a Lisboa da parte central do Arco Ribeirinho permanecem prejudicadas apesar da ligação Montijo-Barreiro; Não são proporcionadas condições necessárias à reconversão urbana das áreas degradadas e obsoletas do Arco Ribeirinho, em particular na Península do Barreiro; Não é promovida a coesão interna da Península de Setúbal e do seu Arco Ribeirinho, nem são criadas condições para o desenvolvimento do policentrismo e das suas especializações no quadro da AML, antes acentuando as diferenças entre Almada e (agora) Montijo em relação à Península do Barreiro; É promovida, numa primeira fase, a divergência de oportunidades, e numa segunda fase, dos níveis de desenvolvimento das unidades territoriais da Península de Setúbal; São criadas condições que promovem o alargamento e a dispersão excessivas das áreas urbanas no contexto metropolitano, em especial para as unidades territoriais da AML a nascente.(...)"

Estas são questões fundamentais cuja resposta deve preceder uma decisão nestas matérias. Quem quiser conhecer a parte substantiva da argumentação deve ler o Relatório da página 31 à 63. Questões fundamentais que me parece terem sido bem respondidas e numa dimensão irrecusável a do Ordenamento do Território.


PS - Refiro com satisfação o facto de o professor António Reis ser o projectista da ponte. Este engenheiro civil, professor do Técnico, foi aliás apelidado no telejornal do canal 1, quando deram a notícia da decisão do Governo, de "arquitecto do Técnico" o que corresponde já, para os padrões dominantes, a uma promoção social. Não é assim que chamam ao engenheiro Calatrava?


 

Pedra do Homem, 2007



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