"Bloco dá negativa a Sá Fernandes e pode retirar-lhe confiança política".

Esta relação entre o BE e o PS na câmara de Lisboa tinha várias potencialidades e acarretava muitos perigos. Uma das potencialidades era o acordo celebrado entre as duas forças políticas que abria caminho a uma mudança qualitativa na gestão da cidade, sobretudo em áreas como o urbanismo em que um acordo desta natureza podia funcionar como pressão sobre o Governo para alterar alguma da legislação que dificulta a intervenção das autarquias no controlo - a favor do interesse público - do desenvolvimento urbano. Falo, em particular, da célebre cláusula que obrigava a considerar 20% de habitação a custos controlados nos novos empreendimentos.
Passados estes dois anos não há qualquer sinal da aplicação do acordo nesta como noutras matérias.
O principal perigo do acordo residia na capacidade do BE para estabelecer uma estrutura de controlo da sua aplicação minimamente credível e, a prazo, a qualidade da articulação política com o vereador independente. Claro que as possibilidades de as coisas correrem mal eram elevadíssimas, sobretudo se pensarmos no que se passou durante a campanha eleitoral com a famosa síntese da candidatura espalhada pela cidade e que, se bem se lembram, era o substancial "O Zé faz falta". Na altura escrevi que a candidatura do BE se tinha tornado uma candidatura unipessoal falha de qualquer projecto político para a cidade minimamente entendível.
António Costa que, apesar de ser um peixe fora da água nestas coisas das autarquias, é um político muito hábil, descobriu, em dois tempos, a forma de neutralizar o Zé. O acordo não serviu a António Costa senão para isso: neutralizar o Zé e en passant matar o próprio acordo.
O Zé vale agora muito pouco ou nada e se o PS não lhe estender a mão não integrará a próxima vereação autárquica. A menos que António Costa prefira continuar a tê-lo ao seu serviço, como no último Prós e Contras em que defendeu afincadamente o negócio dos contentores entre o Governo e a Mota Engil contra os seus antigos apoiantes, em vez de o ter outra vez do lado oposto da barricada a chatear por todos os negócios tipo "Contentores em Alcântara".
Posto isto a nota negativa do BE a Sá Fernandes é uma nota negativa à sua própria estrutura. Faz, por isso, sentido que o BE perca tanto tempo a divulgar que não tenciona fazer qualquer acordo com o PS caso os eleitores entendam dar-lhe muitos votos e possibilitar dessa forma um acordo de governo estável e mais à esquerda. O BE parece ter consciência de que embora seja capaz de fazer um bom acordo para governar uma câmara, ou quem sabe o País, é incapaz de o fazer cumprir ou ao menos de controlar a sua execução.
Não adianta nada que o BE anuncie hoje ou amanhã que retira a confiança a Sá Fernandes. Não espanta ninguém que Sá Fernandes anuncie que nada do que o BE faça o espanta e que as críticas têm sido constantes. Há muito que Sá Fernandes se divorciou do BE, mesmo que o BE fingisse não saber, porque a isso o obrigava a união que celebrou com António Costa.


 

Pedra do Homem, 2007



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