«E Deus não quer que nós, nenhum de nós,
nenhum aceite nada. Ele espera,
como um juiz na meta da corrida,
torcendo as mãos de desespero e angústia,
porque não pode fazer nada e vê
que os corredores desistem, se acomodam,
ou vão tombar exaustos no caminho.
De nós se acresce ele mesmo que será
o espírito que formos, o saber e a força.
Não é nos braços dele que repousamos,
mas ele se encontrará nos nossos braços
quando chegarmos mais além do que ele.
Não nos aguarda - a mim, a ti, a quem amaste,
a quem te amou, a quem te deu o ser -
não nos aguarda, não. Por cada morte
a que nos entregamos el' se vê roubado,
roído pelos ratos do demónio,
o homem natural que aceita a morte,
a natureza que de morte é feita.

Quando a hora chegar em que já tudo
na terra foi humano - carne e sangue -,
não haverá quem sopre nas trombetas
clamando o globo a um corpo só, informe,
um só desejo, um só amor, um sexo.
Fechados sobre a terra, ela nos sendo
e sendo ela nós todos, a ressurreição
é morte desse Deus que nos espera
para espírito seu e carne do Universo.
Para emergir nascemos. O pavor nos traça,
este destino claramente visto:
podem os mundos acabar, que a Vida,
voando nos espaços, outros mundos
há-de encontrar em que se continue.
E, quando o infinito não mais fosse,
e o encontro houvesse de um limite dele,
a Vida com seus punhos levá-los-á na frente,
para que em Espaço caiba a Eternidade.»


Jorge de Sena


 

Pedra do Homem, 2007



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