Interrogando-se sobre as razões pelas quais os Portugueses tantas vezes afirmam que "está tudo na mesma" apesar das mudanças operadas pós 25 de Abril, José Gil analisa o espaço público e o nosso conhecimento da democracia.
Segundo o autor o espaço público foi quase anulado durante a ditadura salazarista, que mantinha uma fachada caricatural de liberdades públicas através dos jornais, da rádio e da TV censuradas, criando "um clima de anestesia e de obediência generalizadas".
Interrogando-se sobre o que aconteceu ao espaço público 30 anos depois do 25 de Abril o filósofo conclui que ele não existe. As manifestações da sua ausência são várias da política à literatura e às artes.
No que se refere à política o autor salienta a não existência de debate político, "nos jornais e na rádio, os debates confinam-se a trocas de opiniões e argumentos entre homens políticos, sempre de um partido, visto que no mundo da política não há lugar para independentes (…). Muitos dos políticos são também comentadores, fazem o discurso e o metadiscurso o que suscita um circuito abafador e redundante (…)"
Interrogando-se sobre a função dos média constata que a abertura do espaço da comunicação social foi pervertido com a televisão a constituir-se como "uma máquina de fabricação e sedimentação de iliteracia" e a rádio e a imprensa a fecharem constantemente "as aberturas mínimas, as fendas e as brechas por onde algum ar fresco, alguma força livre pudessem passar ainda".
Esta sensação que muitos de nós temos de que o sistema mediático e os seus protagonistas, tal como os protagonistas do sistema político, são imutáveis é sintetizada pelo autor na afirmação de que "os lugares, tempos, dispositivos mediáticos e pessoas formam um pequeno sistema estático que trabalha afanosamente para a sua manutenção".
Nesta crítica contundente, e lúcida, sobre a realidade portuguesa, radica, a meu ver, a pincipal razão para o relativo, para não afirmar total, silêncio que rodeou a publicação desta obra notável. A televisão, a rádio e os jornais dedicaram a este livro e ao autor um tempo muito reduzido. Em particular a televisão pública, que terá dificuldade em reconhecer o seu papel na construção da não-inscrição e no fomento da resignação de que é exemplo o paradigmático "é a vida"
Os cidadãos esgotaram apesar disso, sucessivas edições do livro.
As televisões e os jornais são lugares de exibição de uma hierarquia do poder-saber que segundo o autor integra o legado do medo que nos deixou a ditadura.
"As universidades que vivem em círculo fechado mas também o regime partidário, as suas práticas e os seus discursos, o “autismo” dos governos e a sua visão medíocre do futuro, a falta de imaginação e a falta de coragem políticas contribuíram largamente para que os reflexos herdados da ditadura demorassem (e demorem) a dissolver-se."


 

Pedra do Homem, 2007



View My Stats