"Acerca das novas leis do poder local.

Dois mil e quantos ?

As alterações à Lei das Autarquias vão ser discutidas na Assembleia da República quando este jornal chegar às bancas. Por diversas vezes tomei posição sobre esta questão. Desde 1989 que considero urgente a reforma do sistema. Mas, como se sabe, urgente em Portugal não tem data. Ainda agora as alterações parecem ir ser sujeitas a uma espécie de moratória, negociada entre PS e PSD, que impedirá as listas de independentes antes de 2005, na melhor das hipóteses. Nesta discussão eu coloco-me num ponto de partida que é o seguinte: o actual sistema não presta e é, já hoje, uma lamentável distorção do poder local criado no pós 25 de Abril. A evolução, conseguida à custa de sucessivas alterações legislativas, criou um novo órgão unipessoal que é o Presidente da Câmara - a partir da Lei 100/84 – e esvaziou de poderes as Assembleias Municipais, que se transformaram em câmaras de ratificação das decisões dos executivos. Este estado de coisas possibilitou o regresso em força de um poder de natureza caciquista que tem feito a obra que se pode observar um pouco por todo o país. Com honrosas excepções, que algumas andorinhas não fazem a Primavera. A discussão que alguns travam há muitos anos sobre a necessidade de limitar os mandatos parte desta constatação. Eu coloco-me deste lado. Alguns dos que há 15 dias acusavam as novas propostas de lei de serem presidencialistas vêem agora pedir para tudo ficar na mesma mas exigem limitação dos mandatos. A defesa da limitação dos mandatos é uma posição correcta – ninguém, presidente ou vereador, deve ter mais de dois mandatos – que parte da constatação da existência de um presidencialismo sem controle.
Proponho algo de diferente que é o que sempre defendi. Mudar o sistema devolvendo- lhe a vocação perdida de um regime de natureza parlamentar. Mudando o controle político para a Assembleia Municipal e permitindo executivos à imagem do Governo, isto é, executivos em que os seus integrantes – os vereadores – não teriam legitimidade eleitoral. Esta questão permitiria que tal como os ministros incompetentes também os vereadores incompetentes pudessem ser “libertados” das suas funções.
A única legitimidade eleitoral seria a do elemento mais votado das listas concorrentes à Assembleia Municipal, que presidiria à Câmara Municipal. A grande virtude desta mudança era a de se devolver ao órgão deliberativo a sua vocação de controle político e a de lugar privilegiado para o exercício da oposição. Esta mudança implica um conjunto de medidas concretas relativas às atribuições e competências das Assembleias Municipais que, infelizmente, não encontro nas leis propostas, nomeadamente na lei do Partido Socialista. Mudanças sem as quais a tal vocação de controle político não se poderá exercer o que conjuntamente com os executivos monopartidários legitimam os receios de se poder assistir a uma degradação, ainda maior, das condições em que se exerce a democracia ao nível local.
A forma de constituição das Assembleias com as inerência dos presidentes de juntas de freguesia a manterem-se, como se fossem membros eleitos, a escassez de reuniões e de recursos mobilizados e a incapacidade de demitir o executivo a menos da existência de uma maioria de dois terços – nunca ninguém ganhará uma Câmara com menos de um terço da respectiva Assembleia – defraudam a expectativa existente. Este facto junto com o – não me ocorre outra palavra – descarado adiamento da possibilidade de candidaturas independentes sem "siglas de aluguer" preocupa-me seriamente e faz-me interrogar sobre as consequências da aplicação da nova lei.
Por último uma pequena nota. Li recentemente que os executivos monocolores impedem as oposições de se ancorarem a nível local através da participação nos Executivos. Este raciocinio parte de uma posição de completa descrença nas virtudes das Assembleias Municipais e no reconhecimento da sua inutilidade. Admite que é mais fácil às maiorias aldrabar os deputados do que os vereadores das oposições. Não me parece que seja grande ponto de partida para uma análise minimamente séria. E alem do mais parte de outro erro de palmatória. Os pequenos partidos – em cada concelho considerados – conseguem mais facilmente eleger deputados do que vereadores. Em Sines, por exemplo, um vereador “custa” cerca de 800 votos e um deputado municipal a bagatela de 200 a300 votos. É também por isso que os pequenos partidos têm todas as vantagens em que as Assembleias Municipais recuperem a dignidade perdida".

Texto publicado na edição nº 44 do jornal Sudoeste em 6-02-2001, numa altura em que era vereador sem pelouros atribuídos na C.M. de Sines e militante do Partido Socialista.
Passados tantos anos "tudo na mesma como a lesma".


 

Pedra do Homem, 2007



View My Stats