A Correspondência trocada entre Sophia de Mello Breyner e Jorge de Sena, ao longo de quase quarenta anos, dada à estampa recentemente pela nóvel editora Guerra e Paz, constitui uma excelente oportunidade para nos aproximarmos dos universos dessas duas figuras maiores da cultura portuguesa. Através destas cartas, podemos entender os problemas com que se deparavam e, afinal, como apesar de fisicamente separados, em continentes diferentes, Sena e Sophia se sentiam tão próximos na relação com o Portugal de então. Um Portugal salazarista, com os seus pides e censores, cuja oposição, na sua pequenez controleira, que se reflectia na área cultural como esta correspondência evidencia, teria tornado impossível, como hoje sabemos, o derrube do regime se, desgraçadamente, isso dependesse unicamente da sua acção.
Percebemos as razões do périplo de Sena pelo Brasil e depois pelos Estados Unidos com passagem pelo Wisconsin até se fixar definitivamente na Calofórnia em Santa Bárbara. O poeta aspirava sobretudo a voltar a Portugal, ou à Europa, o que lhe era impossível pela situação política mas também pela sua animosidade em relação à generalidade do meio literário. Como se sabe, o 25 de Abril não veio alterar significativamente a situação e Sena acabou por morrer no exílio.
Percebemos, através das cartas de Sophia, as dificuldades dos que foram sujeitos ao exílio no interior. Dificuldades de quem escolhera dedicar a sua vida à poesia e à actividade cultural e que, apesar disso, nas suas palavras, não desistira de ser mãe e esposa de um Dom Quixote, Francisco Sousa Tavares, que advogava em defesa das vítimas da ditadura e que sofria as represálias do regime. Dificuldades em lidar com um meio literário, no qual a presença da censura consumia as energias e as capacidades dos que resisitiam, que aparecia minado pelas tentativas de o hegemonizar politicamente.
Esta correpondência constrói-se de um dos mais belos sentimentos humanos: a amizade. Amizade e admiração recíproca pela arte de cada um, de que as cartas dão eloquente testemunho.
Outros tempos e outras gentes. Tempos piores, mas uma gente de uma qualidade rara entre os portugueses.


 

Pedra do Homem, 2007



View My Stats