Tu cuja carne que hoje é pó e planeta
pesou como a nossa sobre a Terra,
tu cujos olhos viram o Sol, essa famosa estrela,
tu que viveste não no rígido ontem
porém no incessante presente,
no último ponto e ápice vertiginoso do tempo,
tu que em teu mosteiro foste chamado
pela antiga voz da épica,
tu que teceste as palavras,
tu que cantaste a vitória de Brunnanburh
e não a atribuiste ao Senhor
mas à espada do teu rei,
tu que com júbilo feroz cantaste as espadas de ferro,
a vergonha do viking,
o festim do corvo e da águia,
tu que na ode militar congregaste
as rituais metáforas da estirpe,
tu que num tempo sem história
viste no agora o ontem
e no suor e sangue de Brunnanburh
um cristal de antigas auroras,
tu que tanto querias à tua Inglaterra
e não a nomeaste,
não és hoje senão umas palavras que os germanistas
anotam.
Hoje não és senão a minha voz
quando revive tuas palavras de ferro.

Peço aos meus deuses ou à soma do tempo
que os meus dias mereçam o olvido,
que meu nome seja Ninguém como o de Ulisses,
mas que algum verso perdure
na noite propícia à memória
ou nas manhãs dos homens.

-Jorge Luís Borges -


 

Pedra do Homem, 2007



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