Os edifícios e os navios, ano após ano, ganham uma espécie de alma dinâmica que os distingue uns dos outros. O desenho, a história, a idade, as pessoas que os habitaram e por ali passaram, o sol que neles se inscreveu, são alguns dos elementos que ajudam a formar essa entidade subjectiva. Uma cidade é também o conjunto dessas entidades e desses edifícios e eles são, por conseguinte, o rosto das pessoas que ali habitaram. Para os navios também assim é. O navio é nome, o desenho, a cor, a matéria, as pessoas, mas também os mares e os rios que percorreu, os portos onde atracou. Quando se fala da morte de um navio, utiliza-se a palavra abate. Esta palavra reconhece assertivamente que o navio também é um ser vivo.
Não é simples demolir uma casa ou abater um navio, é sempre uma solução derradeira. Quando o fazemos estamos a destruir e a alterar espaços dentro das pessoas, a alterar a memória colectiva, o elo que liga os homens uns aos outros no tempo. É por isso que a demolição e o abate só são efectuados sem quaisquer dúvida quando o navio ou a casa apresenta sinais de tanta destruição que a sua existência afecta negativamente a memória colectiva.
Quando as pessoas se indignam e se opõem a um abate ou a uma demolição é por tudo isto, não são meras lutas políticas. O que está em causa não passa somente pela política, está para além dela, é maior. Por isso, acreditam poder existir outras soluções.


 

Pedra do Homem, 2007



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