Bagão Félix insiste na tónica de que o referendo é para escolher entre a liberalização do aborto ou a recusa dessa liberalização. O facto de a pergunta que os portugueses irão referendar ser a de saber se eles concordam ou não com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez até às dez semanas quando decidida pela mulher e praticada em estabelecimento público de saúde, não atrapalha o raciocínio do ex-ministro de Durão e Santana Lopes. Para ele a pergunta é uma fraude. Ora fraude é subverter o sentido da consulta criando uma clivagem artificial na sociedade portuguesa entre os que querem o aborto livre e os que não querem ou na linguagem deturpadora de Bagão entre os que defendem a vida humana e aqueles que são contra essa vida humana.
O cinismo destas posições não ilude o facto nuclear de que por detrás da suposta defesa da vida humana está afinal um profundo desprezo pelas vidas dos milhares de mulheres que por razões extremas são obrigadas a abortar e sobretudo pela vida daquelas que por razões económicas e por medo da repressão o fazem em condições infra-humanas alimentando o negócio milionário do aborto clandestino.


 

Pedra do Homem, 2007



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