Acabei de asssitir em Lisboa na sala do Plenário do Tribunal da Boa Hora à apresentação do livro "Vítimas de Salazar" da autoria de João Madeira, Irene Pimentel e Luís Farinha. A apresentação esteve a cargo de Mário Soares que a propósito do local recordou o facto de ser aquele um símbolo da repressão fascista. Tribunal no qual eram sistematicamente espezinhados os direitos cívicos, que desprezava os direitos mais elementares dos réus e até os advogados de defesa e os familiares eram muitas vezes julgados e condenados na mesma sessão. Recordou as sessões de espancamento a que os réus eram sujeitos em plena sessão do tribunal. Soares fez uma análise da repressão sob o regime fascista, diferenciando o que se passou antes e depois de 1945. Confessou que os opositores ao regime fascista estavam firmemente convencidos que o regime não sobreviveria a 1945 e que isso só aconteceu, a seu ver, por força da guerra fria e dos jogos estratégicos da real politic. Contou, a esse propósito, um episódio que se passou nessa altura quando estava preso e a sua mãe lhe costumava levar nas visitas alguns alimentos à laia de reforço de rancho. Numa ocasião o reforço era uma panela de sopa envolvida em jornais com o pretexto da manutenção da temperatura. O jornal-embrulho trazia a notícia da aceitação da adesão de Portugal à NATO. Este facto terá tornado aquela uma sopa amarga.
Soares salientou o importante trabalho em curso no Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa sob a direcção do professor Fernando Rosas. Trabalho sério e rigoroso de investigação sobre a nossa História que contribui para impedir o apagamento da memória da ditadura e evita o branqueamento do regime fascita que paulatinamente ganha posições na nossa sociedade. Isso mesmo salientou Fernando Rosas na sua intervenção em que, tal como no prefácio ao livro, criticou o revisionismo historiográfico cujo labor se tem exprimido através de uma "visão banalizadora da natureza e das políticas do regime". Falou ainda dos trabalhos de investigação que estão em curso com os mesmos protagonistas. João Madeira apresentou a obra que considerou uma reunião de narrativas históricas sobre a violência do fascismo e a resistência a esse fascismo.
Quero salientar a boa forma de Mário Soares e o facto de continuar com uma energia notável a dar o seu testemunho e a sua contribuição para iniciativas desta natureza. Um cidadão de corpo inteiro. É o que se pede a um político por mais notável que tenha sido o seu percurso de vida. Só alguns poucos o conseguem. Só os melhores.
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