No Expresso, um artigo de Márcio Resende, correspondente em Buenos Aires, dá conta de como a economia Argentina, depois da crise violenta de 2001/2002, conseguiu em apenas cinco anos atingir níveis de crescimento "asiáticos". As soluções passaram no essencial por rejeitar as receitas do FMI e optar por soluções alternativas: neste caso juros baixos e moeda fraca foram a opção.
Em 2002 o desemprego atingiu os 22% da população activa. Os argentinos que caíram na pobreza representavam 55% da população enquanto outros 26% eram considerados indigentes. Entre 1998 e 2002 o PIB argentino caiu 20 pontos. Desde 2002 até ao final de 2006 o PIB cresceu a uma média de 8-9% ao ano.
No seu livro "Globalização, a grande desilusão" Joseph Stiglitz (*) dá uma explicação detalhada das razões que conduziram a Argentina ao colapso. Escreve o antigo conselheiro de Clinton e ex-vice presidente do Banco Mundial: "(...) As ideias e as intenções que presidiram à criação das instituições económicas internacionais eram boas, mas foram evoluindo ao longo do tempo e transformaram-se completamente. A orientação keynesiana do FMI, que realçava as insuficiências dos mercados e o papel do Estado na criação de emprego, deu lugar ao hino ao mercado livre dos anos 80, no quadro de um novo "Consenso de Washington" - um consenso entre o FMI, o Banco Mundial e o Tesouro dos Estados Unidos acerca das políticas "certas" para os países em desenvolvimento - que assinalou uma abordagem radicalmente diferente do desenvolvimento e da estabilização económica. (...) para muita gente, o resultado foi a pobreza e, para muitos países, o caos político e social. O FMI cometeu erros em todas as áreas em que se envolveu; no desenvolvimento, na gestão de crises, e nos países que transitaram do comunismo para o capitalismo. Os programas de ajustamento estrutural não truxeram o crescimento sustentado, nem mesmo naqueles países, como a Bolívia, que aderiram à rigidez da sua disciplina. Em muitos países, o excesso de austeridade sufocou o crescimento. (...) Hoje em dia, muitos países latino-americanos continuam a apresentar elevadas taxas de desemprego, que na Argentina, por exemplo, atingem níveis de dois dígitos desde 1995, embora a inflação tenha baixado. O colapso da Argentina em 2001 é um dos exemplos mais recentes de uma série de falhanços ao longo dos últimos anos. Dada a elevada taxa de desemprego durante cerca de sete anos, não é de admirar que os cidadãos tenham acabado por se revoltar, mas sim que tenham sofrido em silêncio durante tanto tempo. Até naqueles países em que se registou um crescimento moderado, este beneficiou os ricos e sobretudo os muitos ricos (os 10 por cento mais ricos), enquanto que os elevados níveis de pobreza se mantiveram e em certos casos o rendimento dos mais pobres chegou mesmo a diminuir.(...) O investimento estrangeiro não é um dos três pilares principais do Consenso de Washington, mas é uma componente fundamental da nova globalização. Segundo o Consenso de Washington, o crescimento cria-se através da liberalização, "libertando os mercados". A privatização, a liberalização e a macroestabilidade criam um clima que atrai o investimento, nomeadamente o estrangeiro. Este gera crescimento. (...) A Argentina é um bom exemplo da ameaça que os bancos estrangeiros representam. Neste país, antes do colapso de 2001, o sector bancário era dominado por bancos estrangeiros, e embora os bancos concedessem empréstimos com facilidade às multinacionais, as pequenas e médias empresas queixavam-se da falta de acesso ao capital. Na Argentina, o problema foi amplamente compreendido. O Governo deu alguns passos tímidos para fazer face à situação, mas os empréstimos do Estado não foram suficientes para compensar a falência do mercado. A experiência Argentina ilustra algumas lições fundamentais. O FMI e o Banco Mundial têm realçado a importância da estabilidade no sector bancário. É facil criar bancos saudáveis, bancos que não percam dinheiro, devido a crédito mal parado - basta que eles invistam em títulos do Tesouro dos estados Unidos. O desafio não consiste apenas em criar bancos saudáveis, mas bancos saudáveis que financiem o crescimento. A Argentina demonstrou que quando isso não acontece, a situação macroeconómica pode tornar-se instável. Devido à falta de crescimento, os défices orçamentais foram-se acumulando, e, quando o FMI impôes cortes nas despesas e o aumento de impostos, desencadeou uma espiral de recessão e caos social.(...)"

Globalização. A Grande Desilusão. Joseph Stiglitz. Edições Terramar. 3ª edic. Novembro de 2004


 

Pedra do Homem, 2007



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