Ouvi dizer que há um veleiro que saiu do quadro
é ele que vem talvez na nuvem perigosa
esse veleiro desaparecido que somos todos nós.
Da minha janela vejo-o passar no vento sul
outras vezes sentado olhando o ângulo mágico
sinto a sua presença logarítmica
vem num alexandrino de Cesário Verde
traz a ferragem e a maresia
traz o teu corpo irrepetível
o teu ventre subitamente perpendicular
à recta do horizonte e dos presságios
ou simplesmente a outra margem
o enigma cintilante a florir no cedro em frente
qual é esse país onde tudo existe e não existe
qual é esse país de onde chega este perfume
este sabor de alga e despedida
esta lágrima só de o pensar e de o sentir.

Não é apenas um lugar físico algures no mapa
é talvez o adjectivo ocidental
o verbo ocidental
o advérbio ocidentalmente
quem sabe se o substantivo ocidentimento.
Está na palma da mão no nervo no destino
e também no teu corpo aberto ao vento do nordeste
é talvez o teu rosto alegre e triste - esse país
que existe e não
existe.

Eu não sei de que cor são os navios
sei que por vezes
no mais recôndido recanto
no simples agitar de uma cortina
numa corrente de ar
um ritmo
há um brilho súbito de estrela e bússola
uma agulha magnética no pulso
um mar por dentro um mar de dentro um mar
no pensamento.

Manuel Alegre


 

Pedra do Homem, 2007



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