"(...)Só é referendável (para que se não transforme em plebiscito ou legitimação de que é inapelavelmente ilegítimo) uma questão concreta e perfeitamente cognoscível, e não um complexo normativo enquanto tal – num diploma como a Constituição, mesmo a de 33 ou de PInochet, que foram plebiscitadas, 90% ou mais das suas normas são aceitáveis, pelo que dificilmente suscitam votos contra. No chamado «Tratado que Institui uma Constituição para a Europa» havia uma questão referendável, embora na pergunta nacional, apenas de forma implícita, que era a do federalismo, isto é, se era aceitável a prevalência geral do direito comunitário sobre (todo) o direito nacional. Hoje, com o «tratadinho», o que está em causa é muito menos relevante (em termos de direito legislado; o Tribunal de Justiça, há muito que entende tal prevalência em termos que os políticos nacionais – dos 27 - eventualmente 25 ou 24, menos Polónia e GB e às vezes Irlanda - não são apenas os nossos – recusam no discurso interno mas aceitam sem reservas em Bruxelas): trata-se apenas de conferir expressa força vinculativa à carta dos direitos fundamentais, o que é bom e de tornar governável a União a 27, eliminando a unanimidade como condição de toda e qualquer decisão, o que é indispensável. Discutir se as normas comunitárias prevalecem sempre sobre o direito interno, o que estava em causa no Tratado, é hoje matéria de relevância semelhante à determinação do sexo dos anjos mas, como estamos no deserto a sul do Tejo, podemos sempre continuar a enterrar a cabeça em toda a areia do mundo…"

Manuel Piteira.


 

Pedra do Homem, 2007



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