Correio dos Leitores: "Quem deve gerir a área portuária de Lisboa?"
Posted by JCG at 9/24/2007 02:10:00 da tarde"Prezado Amigo Dr. Augusto Felício.
(...).Na verdade quer a questão ( gestão e expansão) do Porto de Lisboa, quer a dos nossos restantes portos, não só obrigam a uma pertinente atenção como irão ter um crucial desempenho nas gerações futuras. Em principio as minhas análises têm por base uma experiência pessoal de mais de um milhão de milhas navegadas, a visita a um grande número de portos mundiais (desde os do Extremo Oriente - Japão - ao Extremo Ocidental - USA, desde os de Latitudes mais elevadas - Islândia - a Norte - South Africa - a Sul) e alguns anos ao serviço da IMO assim como de outros organismos afectos ao shipping. Quer essa experiência quer a idade, que já pesa, são bastas razões para "arrefecerem" as emoções, se bem que sem elas a vida pouco sabor teria. Sem emoções no trabalho, no amor, no desporto, na política, etc. a vida seria um pão sem sal. Mas vamos aos portos.Em princípio julgo, como base ao tema, dois quesitos;
1º - Um porto deve ter uma área própria apenas gerida pela sua autoridade administrativa.
2º - Um porto deve dar a mais eficiente satisfação às necessidades da movimentação de mercadorias, quer a movimentação marítima quer a movimentação terrestre.
Claro que estes quesitos são frutos de fortes tensões e de choque de interesses (armadores, carregadores, transitários, operadores, correctores, etc.).
Quanto ao 1º quesito, a área de domínio público hídrico afecto às administrações, pela sua natureza, incorpora-se na Zona Costeira. Infelizmente em Portugal só a vertente marítima da Zona Costeira tem as suas áreas legalmente definidas, assim: Águas Interiores (todas as águas que se encontram do lado terrestre da linha de base), Zona Costeira Marítima (todas as águas desde a linha de base até 50 metros), Águas Costeiras (todas as águas que se encontra para lá da linha de base até 1 milha de distância), Mar Territorial ( todas as águas entre a linha de base até às 12 milhas), Zona Contigua (todas a águas entre as 12 e 24 milhas), e Zona Económica Exclusiva (todas as águas da linha de base até 200 milhas).
Quanto à vertente terrestre da Zona Costeira ainda ninguém se entendeu (que eu saiba). Apenas a Largura da Margem se define por uma largura entre 10 e 50 metros a partir da linha de base, terra dentro, consoante a característica da Margem, excepto nas praias onde a largura da margem será a da praia. (Lei nº58/2005) A Orla Costeira Terrestre tem proposta para se definir com a largura imprecisa de "Centenas de Metros (!)"A Zona Costeira com proposta indefinida de "Alguns Quilómetros (!)"A Zona Litoral com proposta igualmente indefinida de "Dezenas de quilómetros (!)". Uma mina de ouro para os construtores civis que a juntar aos PDM alcançados pelos Municípios Ribeirinhos vão "Torremolinar" a nossa costa. É evidente que as áreas portuárias, muito em especial a de Lisboa, estão sob a mesma cobiça. Basta abrir a imprensa diária e nas páginas do imobiliário lá encontrar:COM VISTA DO MAR
A DOIS PASSOS DO MAR
VISTA MAGNIFICA FRENTE AO MAR
VISTA PARA O OCEANO
JUNTO AO MAR
PERTO DO MAR
A UM PASSO DO MAREtc. , etc. ,etc.
Honra lhes seja feita por ser o único sector nacional que diariamente procura investir " usufruindo do valor do nosso mar" sabendo que o Oceano que nos banha é uma grande fonte de riqueza.
Mas aqui as Finanças ainda não cobrem mais do que cobram aos construtores da raia espanhola. Assim a tentação é enorme para a Câmara de Lisboa que certamente se conseguir interferir na administração portuária não vai arrasar bairros ribeirinhos (como o fez a de Barcelona a alguns bairros históricos) para ceder mais terrenos ao porto para o seu desenvolvimento, mas fazer com que este lhe aliene terrenos para urbanizar. Do mesmo modo se fez em Algeciras, que em vez de se estrangular o porto com o crescimento de cidade, expandiu-se para os terrenos mais afastados da margem e fez do seu pequeno porto, em poucos anos, uma dos maiores portos de Espanha pelo qual passa presentemente a maior parte das mercadorias movimentadas pelas necessidades de Madrid. Quando em 1956 fiz a primeira travessia do Estreito da Gibraltar (como turista) havia um pequeno cais onde atracavam apenas três pequenos cargueiros. Embarcaram-nos o carro, que saíra de Lisboa, sobre a escotilha dum porão e lá fomos com mais seis autos para Tanger. Hoje, Algeciras é quase impossível de descrever nestas páginas. O desenvolvimento dum porto pode e deve ser fruto de muita discussão mas nos dias de hoje face às necessidades de superfície que a contentorização exige, ou se faz crescer a sua área portuária ou o porto estagna. (Londres, Nova Iorque e Marselha são exemplos da última situação. E por tais bandas não faltam mercadorias....faltam terrenos.) Quando há 50 anos se iniciou a contentorização das mercadorias e as latas, caixas, sacos, fardos, caixotes, tambores, etc. deixaram de constituir as unidades de carga e por via do contentor se começou a prescindir dos armazéns portuários pensou-se que os portos iriam reduzir a necessidade dos seus espaços face á saída e entrada directa dos mercadorias do cliente ao navio, protegidas da intempérie e do roubo por via do novo tipo de embalagem. Puro engano! Quando os navios de carga geral deixaram de trazer as poucas dezenas de contentores sobre o convés e os novos navios porta-contentores os carregaram às centenas, mais tarde aos milhares e agora às dezenas de milhar, os portos explodiram de novo sobre novos terrenos por via dos terminais necessários aos muitos milhares de TEUS entrados e saídos diariamente.Creio que esta expansão será ainda por décadas.
Quanto ao 2º quesito: movimento de mercadorias.
É em meu entender uma questão de economia política. Quer no momento actual quer nos próximos anos as mercadorias estão praticamente centradas em três tipos; a contentorização, os granéis líquidos e os granéis sólidos. Estes três tipos podem ser obtidos longe do local de embarque ou distribuídos para muito longe do local de desembarque. Basta que se desenvolva uma política de transportes terrestres rápidos, seguros e eficientes e competitiva. As cargas virão de todos os lados. Fazer como se está a fazer nos portos nacionais - muito em especial no de Sines - a carga e descarga dum maior número de TEUS sem simultânea ou previamente preparar as vias de transporte eficientes não é solução económica competitiva. A expansão e desenvolvimento dos portos portugueses só poderão ter sustentabilidade numa visão Ibérica. Pensar que os chineses descarreguem 2 ou 3 mil TEUS por cada navio aportado a Sines e face à actual estrada e linha férrea que a serve (esta última construída há mais de 70 anos com um traçado destinado a máquinas a vapor de lenha!) se escoam 20 a 30 TEUS por composição, faz-me dó tanta ingenuidade administrativa. Tanger e Algeciras estão aqui perto; é ir lá ver quantas linhas férrias e que traçado percorrem com composições de centenas de TEUS. A expansão dos nossos portos não só sde deve incorporar na economia ibérica como igualmente na economia dos PALOPS muito em especial Angola uma potência económica em explosão.
Meu caro Dr. Felício este é na verdade uma assunto vital para Portugal e deve ser debatido por peritos e experts da matéria, como o meu amigo, num ou mais fóruns ou noutro qualquer tipo de colóquio donde pudesse sair um "grito" que fizesse abrir os olhos a quem nos governa. Não o quero maçar mais e fecho com o que penso poder ser uma resposta á sua pertinente questão: UM PORTO FOI SEMPRE, E SERÁ NO FUTURO, O LOCAL MAIS CONVENIENTE, SEGURO, RÁPIDO E ECONÓMICO PARA EMBARCAR E DEMBARCAR MERCADORIAS DOS BARCOS.Tudo o resto que o envolve vem por acréscimo. As suas palavras são sempre bem-vindas e apreciadas.(...)
Etiquetas: Cidades e Portos