A questão colocada pelo comandante Ferreira da Silva leva-me a outra: será que faz sentido apenas reconverter urbanisticamente os espaços portuários devolutos ou aquilo que faz todo o sentido é repensar a relação entre as cidades e as suas frentes de água e nesse contexto tomar as decisões estratégicas mais adequadas a um desenvolvimento urbano sustentável? Que podem passar por mudanças na localização das atividades portuárias ou podem definir intervenções que se articulem com o essencial das localizações actuais.
No entanto, antes de voltar ao tema num futuro post, quero referir que as relações entre as cidades e os portos têm sofrido uma evolução ao longo dos tempos mas em todos os casos emerge uma característica paradoxal que se manteve até aos nossos dias: a expansão e o desenvolvimento urbano fez-se de costas voltadas para a água. Esta evolução acentuou-se ao longo dos tempos com aquilo que diferentes autores referem como a passagem da cidade porto para a cidade com porto.
Nas primeiras, a cidade e o porto estavam fortemente interligados não existindo uma separação física entre uma área especializada e o resto da cidade. A actividade comercial centrada no porto era essencial para a actividade economica da cidade e confundia-se com a própria actividade económica da urbe. Com a evolução para as cidades com porto, o porto organiza-se de forma autónoma relativamente ao restante espaço urbano, com especialização funcional de vastas áreas de terrenos, mobilizadas para dar resposta às novas necessidades induzidas pela evolução tecnológica do transporte de mercadorias. O acesso ao porto passou a ser condicionado. A cidade cresceu para o interior e como referem alguns autores(1) as áreas portuárias assumiram-se como áreas periféricas da cidade, com as suas actividades industriais, os armazenamentos de baixa qualidade e com a crescente e iniludível poluição das frentes de água urbanas. Com este processo importantes áreas de espaço público urbano ficaram inacessíveis aos cidadãos separadas do teritório municipal pelas restrições de acesso impostas pelas autoridades portuárias.

(1) - Quem melhor pensou estas questões, e melhor escreveu sobre elas, neste país foi o sociólogo Vitor Matias Ferreira, pofessor catedrático no ISCTE, coordenador da obra referida no meu post anterior. Vale a pena ler todos os seus texto sobre esta matéria. Ler e pensar.


 

Pedra do Homem, 2007



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