A PARTICIPAÇÃO DOS CIDADÃOS NA ELABORAÇÃO DOS PLANOS MUNICIPAIS DE ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO

Como é do conhecimento geral foi recentemente publicado o decreto-lei n.º 316/2007 que substitui o Decreto-lei 380/99, e as suas diversas actualizações de que a mais recente tinha sido o decreto-lei 310/2003.
Os objectivos desta mudança inscrevem-se sobretudo na lógica da aplicação do programa SIMPLEX aos processos de ordenamento do território e de operatividade do sistema de gestão territorial. Trata-se de uma alteração que coloca o acento tónico no acréscimo de eficiência e na obtenção de resultados mais céleres e que se inscreve,afinal, na lógica desburocratizadora que o Governo tem imprimido à sua actuação nesta área e que, em boa verdade, em alguns casos promove uma efectiva desregulamentação ao serviço do imperativo do estímulo à actividade económica em particular na atracção dos investimentos com forte recurso ao territorio.
Esta nova legislação tem méritos evidentes na parte que se refere à garantia de uma maior autonomia das autarquias na elaboração dos seus instrumentos de planeamento embora, e essa é outra análise, seja globalmente uma legislação falhada já que não corrige aqueles que são os crimes maiores do 380/99 e em consequência do sistema de planeamento territorial.
O aspecto que quero referir neste post tem a ver com a Participação dos Cidadãos. Estou convencido que existe um dispositivo legal que dificulta ao máximo a participação dos cidadãos na elaboração dos instrumentos de planeamento territorial. Tenho defendido esta ideia e não encontro razão, infelizmente, para mudar. Num artigo que publiquei no jornal Público no auge da discussão sobre os malefícios da burocracia na elaboração dos Planos tive oportunidade de escrever :
"(...)Se persistíssemos no erro de limitar a discussão à questão temporal haveria, mesmo assim, algumas considerações a fazer. Em primeiro lugar o tempo de elaboração dos Planos não é um tempo uno. Há o tempo excessivo, e em larga medida inútil, dos burocratas, consumido na circulação de pareceres, na falta de solidariedade, e mesmo na desconfiança, entre os diversos níveis da Administração Pública.(...) Este é um tempo que urge reduzir significativamente, já que não se pode eliminá-lo.Há, por outro lado, o tempo escasso para o trabalho de planeamento, que deve ser alargado e que passa pela revalorização do papel, da responsabilidade e da independência técnica da intervenção dos urbanistas. (...) E há, sobretudo, o tempo escasso da discussão pública, esse instituto eminentemente democrático, que actualmente é verdadeiramente residual e que urge aumentar significativamente. Repare-se na contradição existente quando se fala em excesso de tempo para a aprovação de um Plano de Pormenor e a Lei determina um máximo de 22 dias – Artº 77º-6º do D-Lei310/2003 – para o período de discussão pública.(...)

A alteração da lei ao conferir maior poder e maior autonomia aos municipios devia ter proposto em simultâneo um conjunto alargado de medidas que permitissem facilitar e estimular a participação dos cidadãos, logo desde o arranque dos trabalhos.
Não foi essa a opção.
O artº 6º relativo ao Direito de Participação manteve-se inalterado nesta revisão. Aí se estabelece que:
"1 - Todos os cidadãos bem como as associações representativas dos interesses económicos, sociais, culturais e ambientais têm o direito de participar na elaboração, alteração, revisão, execução e avaliação dos instrumentos de gestão territorial.
2 — O direito de participação referido no número anterior
compreende a possibilidade de formulação de sugestões e pedidos de esclarecimento ao longo dos procedimentos de elaboração, alteração, revisão, execução e avaliação, bem como a intervenção na fase de discussão pública que precede obrigatoriamente a aprovação.(...)"

Quanto ao artº 77º relativo à Participação durante o processo de elaboração dos Planos Municipais de Ordenamento do Território, a única alteração é relativa ao conteúdo do ponto 2. Agora determina-se que :
"(...) 2 — Na deliberação que determina a elaboração do plano é estabelecido um prazo, que não deve ser inferior a 15 dias, para a formulação de sugestões e para a apresentação de informações sobre quaisquer questões que possam ser consideradas no âmbito do respectivo procedimento de elaboração.(...)"
Ora na legislação que agora se alterou este período era de 30 dias. A redacção era exactamente "um prazo, que não deve ser inferior a 30 dias" , admitindo-se que no caso dos Planos de Pormenor esse prazo não fosse inferior a 15 dias.

Quanto ao período reservado à Discussão Pública dos Planos assistiu-se a uma substancial redução do prazo. Enquanto nos PDM´s era reservado pelo menos 44 dias à discussão pública na nova legislação esse prazo foi encurtado para 30 dias, mantendo-se o prazo previsto para os restantes planos.

Sintomático é igualmente o tratamento que a lei prevê para a participação dos cidadãos. Nada mudou.
No ponto 5 do artº 77º estabelece-se, tal como antes, que :
"A câmara municipal ponderará as reclamações, observações, sugestões e pedidos de esclarecimento apresentados pelos particulares, ficando obrigada a resposta fundamentada perante aqueles que invoquem, designadamente:
a) A desconformidade com outros instrumentos de gestão territorial eficazes;
b) A incompatibilidade com planos, programas e projectos que devessem ser ponderados em fase de elaboração;
c) A desconformidade com disposições legais e regulamentares aplicáveis;
d) A eventual lesão de direitos subjectivos.(...)"


Parece óbvio que a participação dos cidadãos ou se reveste de um carácter técnico excepcional - capaz de detectar desconformidades como as que são enquadráveis nas alíneas a, b e c) anteriores - ou está associada à ofensa de legítimos direitos como previsto na alínea d.
Nada se diz sobre o tratamento a dar a sugestões previstas no artº6º e não se estabelece uma distinção entre a participação na situação de elaboração de um PDM pela primeira vez e da sua revisão, em que adquire particular significado – aliás deveria adquirir, já que a legislação omite esta possibilidade - a discussão pública do relatório de Avaliação do PDM anterior. Bem como uma divulgação pública generalizada das principais conclusões desse mesmo relatório, de uma forma fácil de consultar, para não falar da promoção de debates públicos sobre o mesmo e também dos principais objectivos estratégicos que presidem à revisão. Podia adoptar-se como modelo os "resumos não técnicos" dos Impactos Ambientais e evitar o recurso à Internet com a necessidade de carregar um documento com vários megas que muitas vezes obriga sobretudo a muita paciência na sua utilização e com a "pequena" dificuldade suplemetar de ter que ler um documento com centenas de páginas.

O que está aqui em jogo é a falta de abertura para a criação de uma efectiva cultura de participação dos cidadãos.
As opções tomadas são naturalmente uma responsabilidade do Governo e a ele devem ser atribuídas.


 

Pedra do Homem, 2007



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