A propósito do que escrevi aqui sobre os cheiros no concelho de Sines recebi o mail que se segue, reduzido ao essencial:

"(...) Chamo-me Maria António Santos e sou Responsável pela Área de Ambiente da Refinaria de Sines (Petrogal). Cruzei-me com o seu comentário ao concerto do Sérgio Godinho realizado no passado dia 10 de Janeiro. Qual o meu espanto quando li o parágrafo indicado como À Margem, em que com muito rigor, quiçá até excessivo, menciona o "cheiro da Petrogal". Interpretei este seu comentário como puro desconhecimento dos processos desta unidade processual e gostaria muito, sinceramente, que viesse aqui almoçar connosco na Refinaria de Sines.
Aqui, teríamos todo o prazer em realizar uma visita guiada a todo o complexo industrial, incluindo nesta visita, o Pré-tratamento de efluentes, Parque de Resíduos Sólidos, sistema de monitorização e controlo de Emissões Atmosféricas, etc. (...)"


Tratando-se de uma resposta a uma afirmação que é pública entendo dever publicá-la e acrescentar o seguinte: 1) verifico sem surpresa que a industria petrolífera, tal como as seitas religiosas, continua a achar que os que a criticam só o podem fazer por puro desconhecimento, e que isso se resolverá, se não pela purificação das almas, pela simples revelação "da verdade". A receita até é barata: uma simples visita guiada; 2) o problema ambiental no concelho de Sines é grave, tem consequências globais ao nível ambiental e traduz-se em algo inaceitável: perdas desnecessárias de vidas humanas. Não tem que ser assim, como defendo há muito. O conhecimento técnico disponível permite conciliar desenvolvimento industrial com qualidade de vida. Mas isto não se resolve com visitas guiadas, resolve-se com vontade política dos diferentes poderes, sobretudo dos que são eleitos para defender as populações, e com responsabilidade social das empresas. Em Sines ambas têm escasseado. 3) Há um conjunto alargado de questões que permanecem sem resposta e que coloquei, entre outras ocasiões, directamente ao presidente do Instituto do Ambiente ,na apresentação pública dos resultados do projecto Sines Bioar, em 2004 ( já foi há tanto tempo e tudo continua na mesma: promessas, promessas) : a) pode afirmar que vivemos num ambiente saudável e que as populações não correm riscos resultantes da poluição atmosférica? b) Os resultados do sistema de monitorização da qualidade do ar instalado são satisfatórios? c) que dados existem sobre as causas de morte no concelho e que alterações ocorreram nas últimas duas décadas? [quem cá vive sabe que existiram alterações].

Como sabemos, já desde Séneca, a ignorância gera a irresponsabilidade. Essa é a razão para que nunca se tenha feito um estudo sério (em boa verdade, não se fez nenhum estudo, nem sério nem pouco sério) sobre as consequências da poluição atmosférica no concelho de Sines e nas áreas envolventes. Quem prevarica prefere que não se conheçam as consequências, naturalmente.
O direito ao ambiente e qualidade de vida (art. 66º da CRP) o direito à saúde (art. 64º da CRP) são direitos fundamentais garantidos pela Constituição da República. No caso do concelho de Sines estes direitos estão, em grande parte, suspensos. As vítimas dessa suspensão em muitos, muitos casos já não poderão ser ressarcidos porque perderam o seu bem mais valioso: a vida.

Posto isto, deixemo-nos de subtilezas e de visitas guiadas. Já saberá pelo seu seu Director quantas vezes já visitei a refinaria e em que condições. E conhecerá certamente o que escrevi sobre a poluição em Sines e os seus responsáveis. Deve haver farta literatura, por aí.
Mas aceito voltar a falar consigo sobre esta questão num debate com a presença do Secretário de Estado do Ambiente [sou do tempo em que o actual primeiro-ministro por aqui fazia o seu tirocínio de jovem deputado e do tempo em que, já ministro do ambiente (bastante bom por sinal), multava a Petrogal por praticar uma política de, cito, "arrastar os pés", e também do tempo em que ele já pensava que estava tudo bem por aqui, ainda ministro do ambiente] e do ministro da saúde, se ainda existir, ou de alguém que o represente, nunca abaixo do Director Geral da Saúde. Pode ser uma conversa pública para discutir estas questões. Basta que me avise com 24 horas de antecedência. Disponha.


 

Pedra do Homem, 2007



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