No Público do passado sábado o socialista Henrique Neto, já várias vezes referido neste blogue pelas suas lúcids e corajosas opiniões, fez publicar uma Carta Aberta a Augusto santos Silva e Manuel Alegre, na qual expressa o seu apoio ao histórico socialista e caracteriza com um rigôr notável a situação do PS e caracteriza o perfil político daqueles que como Augusto Santos Silva optaram por fazer carreira política abdicando das suas convicções.
Transcrevo essa carta na íntegra pela sua relevância política.

"Gostaria, como militante do Partido Socialista, de declarar publicamente o meu apoio e concordância com Manuel Alegre, na sua recente tomada de posição relativamente à intervenção política e às palavras de Augusto Santos Silva, num suposto debate interno acerca das moções a apresentar ao próximo congresso. De facto , as sucessivas intervenções do ministro da propaganda do PS caracterizam-se pelo dogmatismo, pela política da verdade única e pela incapacidade de compreender que um partido político moderno é mais de que a arregimentação de militantes passivos, que por seguidismo, necessidade ou medo deixaram de ter ideias e vontade próprias.
Há de facto medo no PS e na sociedade portuguesa, pelos mais variados motivos.
Têm medo os empresários, de que não lhes sejam permitidos os apoios, ou os financiamentos dados a outros; têm medo os funcionários públicos, relativamente aos chefes de nomeação política; têm medo os professores, da avaliação e do ministério, avaliação necessária mas imposta; e têm medo muitos militantes socialistas de perderem os seus lugares, ou o aceso aos benefícios pessoais que retiram d actividade política. Lugares e benefícios que há muito deixaram de ser decididos pela razão do mérito e que agora são o resultado da fidelidade ao chefe.
É aqui que Augusto Santos Silva se distingue, na obsessão da fidelidade ao líder, como condição da actividade política. No momento em que se prepara mais um congresso do Partido Socialista, a missão de Augusto Santos Silva é matar à nascença qualquer veleidade de debate livre e de novas ideias para o PS e para Portugal. Augusto Santos Silva está apenas interessado em “malhar neles”, começando logo por malhar nos militantes do PS, aqueles que ainda pensam habitar o mesmo partido dos anos setenta a noventa, ou nos que passaram com esperança renovada pelos Estados Gerais para uma Nova Maioria. De facto, não estão no mesmo partido. O PS, como partido político da liberdade e do debate político e das novas ideias para Portugal, já não existe e o que há são sedes sem vida, militantes que olham a competição e a concorrência com medo. A quem permanentemente é inculcada a ideia de que divergir e criticar é traição ao PS e bênção para os adversários políticos. “Quem se mete com o PS leva”, fez escola no PS.
Relativamente a Manuel Alegre, que sempre admirei, apesar de algumas vezes dele ter discordado, surpreende-me que não tenha, aparentemente, compreendido a razão do apoio de Augusto Santos Silva à sua candidatura. Esse apoio tem a marca de uma velha cartilha política, muito praticada entre nós, cujo objectivo é aumentar o valor pessoal junto do novo chefe, previsivelmente vencedor. Porque, como Manuel Alegre bem sabe, em política uma coisa são convicções, hoje muito desvalorizadas no mercado político nacional, e outra, bem diferente, é tratar de fazer carreira. Augusto Santos Silva e alguns outros, felizmente poucos, ex-apoiantes de Manuel Alegre há muito que escolheram a segunda possibilidade e é bom que disso exista a consciência.
Subscrevo-me com cordiais saudações socialistas - Henrique Neto"


 

Pedra do Homem, 2007



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