Amanhã os professores voltam à rua para se manifestarem contra esta política educativa que os agride e que visa destruir a escola pública. Manifestação de sucesso improvável já que a sua comparação com as anteriores será inevitável e pela própria declaração dos Sindicatos - Sindicatos esperam mais de 50 mil professores na manifestação de sábado - se percebe que a participação será muito menor.
Havrá muitas e boas explcações para esta menor participação que se adivinha. Mas aquilo que eu quero aqui salientar é que, caso a manifestação se salde por um relativo fracasso para os professores, o Governo mudará de estratégia passando imediatamente a salientar esse resultado como uma manifestação clara de que os professores estão com a política do Governo. Levaram tempo a perceber mas ultrapassadas as incompreensões é já visível o entendimento, blá, blá,blá. Sobre estas técnicas psicóticas e muito mais, fala José Gil no seu último livro " Em busca da Identidade - O desnorte."

José Gil analisa a reforma do sistema educativo empreendida pelo governo de Sócrates.
Escreve a dado passo o autor: "(...) Vários autores alertaram já para o facto de se anunciar, como figura social do homem do século XXI, o «homem avaliado» (...) O «ser avalaido» não adquire só um estatuto social; ele próprio, por inteiro, compõe um espaço de avaliações; não é já um ser singular que,entre outras relações, entretém com os outros a de «ser avaliado», é a avaliação que molda todo o seu ser, público e privado, pessoal e social. (...)"

Sem pretender fazer por ser tarefa impossível uma análise do sistema de avaliação que se quer impor nas escolas portuguesas o autor refere:

"Sumariamente, pode-se dizer o seguinte: a dupla vertente da governação Sócrates que evocámos atrás – por um lado, o centralismo autoritário, regulador, fazendo intervir o Estado nos mais ínfimos mecanismos da vida social; por outro, a vontade de «emagrecer o Estado», de reduzir o seu peso na sociedade civil, «modernizando» o seu funcionamento - leva a que os efeitos das reformas, e em particular a do sistema educativo, possam ser, na substância, puramente superficiais, não produzindo mudanças de fundo, e, na forma, imperativos pesadíssimos, tarefas insuportáveis e inexequíveis. Porquê? Porque – e refiro-me aqui ao Estatuto da Carreira Docente, ao Estatuto do Aluno e à avaliação dos professores – a vertente autoritária e super-reguladora do Estado exerce-se fundamentalmente e quase exclusivamente na forma, na burocracia, nas centenas de documentos, formulários, regulamentações que os professores devem estudar, preencher, horários extraordinários que devem cumprir, etc, sem que os conteúdos do ensino, a substância da relação de aprendizagem professor - aluno seja tratada. Quem examine em pormenor toda esta extraordinária burocracia, que já é pós-kafkiana, a que estão submetidos os professores fica com a ideia de que uma espécie de delírio atravessa quotidianamente os conceptores e decisores do MNE. É verdade que o governo recuou depois das greves dos professores. Mas não esqueçamos que toda aquela burocracia que caiu sobre os professores, sufocando-os, impedindo-os de ensinar, foi pensada para ser aplicada - o que revela mesmo um certo delírio na concepção das tecnologias do biopoder. O processo de domesticação dos profesores está em curso - e longe de ter terminado. (...) Porquê tudo isto? Porque o interesse do Governo é, antes de mais, cumprir a racionalidade orçamental, levando dezenas de milhares de professores a abandonar a escola. Através, afinal, de um sistema educativo emque avaliar significa desnortear, desanimar, dominar, humilhar, desprezar os professores, os alunos e a educação.(...)"

Importante é análise da forma como o Governo se relaciona com a luta dos professores feita por José Gil. Escreve o filósofo: "Durante o período de confronto mais agudo entre os profesores e o Ministérioda Educação, o Governo reagiu segundo uma estratégia que lhe é própria: às manifestações de massa (100 000 e 140 000 pessoas na rua), às greves de professores (mais de 90% de participação), respondeu com o silência e a inação. Justificando-os com a frase: « estamos em democracia, toda a gente tem o direito de manifestar. Que se manifestem à vontade. Mas nós temos também o direito de continuar a fazer a fazer o que fazemos». Ou seja, quanto a nós, continuaremos a enviar-lhes directivas, portarias, regulamentos a cumprir sob pena de ...(ser punido segundo a lei). Fugindo à contenda, tornando-se ausente, o poder torna a realidade ausente e pendura o adversário num limbo irreal. Deixando intactos os meios de contestação mas fazendo desaparecer o seu alvo, desinscreve-os do real. É uma técnica de não-inscrição. Ao separarar os meios dos alvos, faz-se do protesto uma brincadeira de crianças, uma não-acção, uma acção não-performativa.(...) Resultado: o professor volta à escola, encontra a mesma realidade, mas sofre um embate muito maior. É essa a força da realidade. É essa a realidade única. E é preciso ser realista. Assim começa a interiorização da obediência ( e, um dia do amor à servidão, como notou La Boétie).
No processo de domesticação da sociedade, a teimosia do primeiro-ministro e da sua ministra da educação representam muito mais do que simples traços psicológicos. São técnicas terríveis de dominação, de castração e de esmagamento e de fabricação de subjectividades obedientes. Conviria chamar a este mecanismo tão eficaz « desacivação da acção». É a não-inscrição elevada ao estatuto sofisticado de uma técnica política, à maneira de certos processos psicóticos (...)"

Ler ainda a entrevista da jornalista Clara Viana ao filósofo.


 

Pedra do Homem, 2007



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