Acabei de ler o último livro de José Gil. Quer-me parecer que a tese principal deste livro é a de que os portugueses têm um grave problema de identidade. Por um lado, função da nossa hiperidentidade, somos pessoais e auto-reflexivos e em função disso somos autocomplacentes, pouco confiantes, queixinhas, invejosos, dominados pela inércia. A hiperidentidade "fecha-nos sobre nós mesmos, impedidndo-nos de criar um "fora", ar e vento livre, respiração para viver".
O autor analisa a evolução verificada com a transição para a democracia imposta pelo 25 de Abril e com as mudanças verificadas no período que se seguiu à revolução, em particular após a "normalização" do final dos anos 70 e os efeitos da crise actual. Pelo meio José Gil dedica uma grande atenção ao papel do actual Governo - em particular através da análise do discurso do primeiro-ministro e do recurso à avaliação "enquanto método universal de formação de identidades necessárias à modernização" - na formação da nossa subjectividade.
As conclusões não são animadoras: " (...) A crise actual vai assim tocar num aspecto da nossa vida que,aparentemente, nada tem a er com ela; o sentimento da identidade (individual e nacional). Até agora, vivíamos recolhidos em nós, protegendo-nos ainda do choque com um "fora" que não para de nos invadir - A União Europeia. Apesar das perdas, aqui e ali, de soberania, o ganho de adesão à UE foi sentido como largamente positivo pela população. Tanto mais que essas perdas não destruíram o nosso "cantinho" familiar, a nossa maneira de viver, a nossa intimidade, quer dizer, o modo como gostamos e nos detestamos a nós mesmos, aos outros e ao nosso país A Europa continua a estar « lá fora», o que preserva o nosso «dentro». Um «lá fora» que nunca foi ealmente um «fora» no sntido de uma força exterior que nos afecta e nos obriga a mudar. A «Europa» não faz ainda parte da experiência consciente quotidiana dos portugueses. (...) A ameaça total que pesa sobre as nossas vidas, sobre as famílias, sobre o emprego, sobre a educação, sobre a saúde - para não falar no espectro da falência do Estado -, obriga-nos a descobrir a dependência radical do nosso país relativamente ao resto do mundo. Ser português já não protege. A vacina identitária que nos manteve imunes às doenças do mundo por tantas décadas acaba de falhar. Por isso os nossos ministros insistem tanto nas especificidades do nosso sistema financeiro : ser portuguê sé ainda vantajoso. Mas como o descalabro do sistema já não é dissimulável, têm também de assinalar a gravidade da crise e a nossa particular debilidade. E, aí, a reacção das pessoas pode tornar-se excessiva: nascer português é um azar do destino.(...) Um dos traços dessa identidade é a caapcidade que temos de viver o local como global. Trata-se de uma questão de alcance de percepção.O nosso território mental é limitado, e as suas fronteiras muralhas que nos reenviam a nossa imagem , o que nos permite reconhecermo-nos imediatamente.(...)"
Uma leitura muito apropriada para este período de eleições europeias e não só.

Num segundo post dedicarei algum tempo ao que o autor esceve sobre o discurso de Sócrates e a política de educação.
Um livro de leitura obrigatória.


 

Pedra do Homem, 2007



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