Na segunda parte do livro, que dedica à análise dos processos de subjectivação, José Gil aponta a “avaliação enquanto método universal de formação de identidades necessárias à modernização” como exemplo dominante de subjectivação nas sociedades contemporâneas, para depois analisar os traços essenciais do discurso e da vontade do poder socialista que governa o país. Diz o autor: “(…) o discurso que na promove é o discurso da via única; é o discurso anti-ideológico que pretende emanar da evidência do «real», das próprias coisas; é o discurso da transparência e do movimento permanente, transformando e fazendo permanecer os graus intermédios entre o chefe (o poder) e os cidadãos; é o discurso da competência e da redução da subjectividade a perfis numéricos de competências. É o discurso que nega a diferença entre a esquerda e a direita, considerando-a obsoleta. O sujeito já não tem direito ao erro. A aprendizagem torna-se uma técnica a que a subjectividade se deve adaptar, sob pena de exclusão social automática.”
Um outro processo de subjectivação analisado pelo filósofo é o da “relação de influência (ou de poder) que o líder entretém com os cidadãos.(…) Aqui interroga-se a acção directa do poder do líder sobre a população política” que é feita recorrendo à análise da retórica do primeiro-ministro. Escreve José Gil: “(…) Uma primeira característica da retórica de José Sócrates: quando inaugura uma escola, um tribunal, quando celebra as virtudes de uma iniciativa do Governo ou premeia os resultados de tal grupo da sociedade civil, uma ideia surge sempre, reiterada até à exaustão – a ideia de que aquela « é a obra necessária, que vem na hora certa para a modernização do país»; era daquilo «que nós precisávamos, e de que vamos precisar»; e que toda a acção do Governo « vai naquele sentido, porque é o sentido certo, e devemos insistir cada vez mais em acções e iniciativas daquela natureza» (…) Aquela obra que o primeiro-ministro elogia surge, de repente, como o resultado do destino, por um lado, e, por outro, como a peça essencial que faltava para provar que se está no bom caminho, quer dizer , que aquele caminho é o bom.(…) Na hora certa, no momento historicamente pré-determinado, o que era necessário apareceu.(… O entusiasmo, a certeza, a vibração do discurso do primeiro-ministro testemunham a excepcionalidade daquele momento. Assim, de certo modo, cada discurso inaugura uma via virgem e cheia de promessas da história do regime.(…) Rejeitando o passado degradado, integrando nele futuro, o discurso socrático do presente dirige-se a um auditor que suspendeu as suas ideias políticas, as suas escolhas partidárias, os seus conflitos sociais, que neutralizou o seu ser ideológico para se ligar directamente ao chefe, enquanto simples cidadão abstracto. Abstracto, mas português, porque espera a mudança de todo o país e a reafirmação enfim apaziguada da sua identidade.(…)”
Como diria o outro: vale a pena ler e pensar nisto.
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