Opinião: Mais do que um simples voto de castigo
Concordo com a posição de JMF de que mais do que resultado de uma má escolha de um péssimo candidato - curiosa a relativização do seu próprio desempenho e a transferência para o Governo do grosso das responsabilidades pelo desaire, feita hoje no Público por Vital Moreira - o resultado eleitoral do PS é fruto das escolhas políticas feitas pelo Governo e por José Sócrates. As pessoas foram votar a pensar em castigar pelo voto essas opções políticas. As pessoas sentem na sua vida do dia a dia os resultados dessas opções e reagem como podem, manifestando a sua oposição. Grande parte dos que votaram não sucumbiram à propaganda governativa que tentou, por todos os meios - e utilizando muitos meios, é bom dizer-se - apagar a contribuição para a dimensão da crise das opções de política interna. Se bem o tentaram é um facto que não conseguiram.
A ideia de maioria absoluta já não é uma miragem, é uma pura impossibilidade. Ninguém recupera mais de meio milhão de votos num curto espaço de tempo, ainda que não persisitisse, arrogantemente, em manter o rumo. O melhor a que o PS pode aspirar é a ser o partido mais votado e o resultado do PSD - uma vitória improvável alguns meses atrás - não é tão bom que permita colocar o partido como o mais provável vencedor das próximas eleições legislativas.
A esquerda do PS, em particular do BE, cujo crescimento se alimenta do PS e que é possível independentemente do crescimento da CDU, como estas eleições demonstraram, tem novas responsabilidades estando a terminar o tempo em que basta ser contra para se crescer. Mesmo que, como tem acontecido de forma exuberante nesta legislatura, o ser contra seja acompanhado de um conjunto sensato de propostas políticas em todas as áreas da governação. Sou dos que pensam que o valor real do BE neste momento ultrapassa o resultado eleitoral do dia 7 e que apenas a ausência de clarificação da posição do partido face às questões da governabilidade impede essa expressão concreta.
No caso do BE o problema é que esse eleitorado é reversível, podendo em qualquer momento voltar ao PS, e quer, sobretudo, mudar a política e mudar o sentido da governação. Mas não tem tempo. As condições de vida dos cidadãos impõem uma urgência à política que muitas vezes não se compadece com o tempo, infinitamente mais longo por ser um tempo mais confortável, dos actores políticos.
Depois das eleições legislativas a esquerda tem que negociar e disso poderá depender o futuro de José Sócrates, avesso a essa negociação à esquerda, cuja estratégia sofreu aqui um primeiro revez que, suponho, não será o último.
Por último uma questão de semântica. A esquerda do PS não é a extrema-esquerda nem o PCP alguma vez foi extrema-esquerda. Os partidos que estão na base do Bloco são ou eram de extrema-esquerda, como o próprio JMF muito bem sabe. O problema é que essa classificação anquilosada nega as evidências da própria evolução do BE e das suas propostas relativamente às questões da política em geral. Nega o facto de o BE ser hoje, função do seu desempenho político, reconhecido como um partido confiável por muitos milhares de cidadãos que até aqui sempre votaram no PS. Claro que se trata de um partido situado claramente à esquerda do PS, embora isso, face a este PS, não chegasse para obter uma certificação por aí além.
Por fim a originalidade do caso português, com o maior crescimento a ser feito à esquerda e com mais deputados eleitos pelos partidos de esuqerda. Portugal é no contexto da União Europeia um país especial. É aquele no qual persistem, muitos anos depois da integração, traços fortes de desigualdade social e uma cada vez mais maior número de cidadãos a viverem abaixo do limiar da pobreza ou próximo dele. As novas pobrezas urbanas, com famílias estruturadas, com pessoas empregadas mas com rendimentos insuficientes face aos encargos, associadas a formas de exploração do trabalho cada vez mais severas, a fraqueza do Estado Social, nunca foi forte entre nós, nunca se aproximou sequer dos seus congéneres europeus, colocam cada vez mais cidadãos numacondição de não cidadania. O Bloco Central não tem respostas políticas para esta situação social. Não estranha por isso que esse Bloco diminua - os resultados do dia 7 mostram-no - e que as suas margens cresçam. Os problemas reais das pessoas estão na base destas mudanças.
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