O affaire injustamente conhecido como Face Oculta, porque em boa verdade deveria ter sido apelidado de Sucata Connection, gera sucessivas perplexidades. Envolvendo figuras de proa do aparelho socialista, com ligações ao Governo, este caso é recebido pelos notáveis do PS como um caso de cumplicidades espúrias entre a comunicação social e a justiça. Este discurso é acompanhado por apelos ao funcionamentoc da justiça e ao reforço do estado de direito ou não fosse ele próprio um manifesto exuberante sobre uma forma concreta de entender esse estado que é suposto ser de direito. Um ministro, ele próprio visivelmente empenhado em reforçar o dito estado de direito, classificou o processo - em que um dos escutados estava a falar com o primeiro-ministro de que se retiraram certidões que agora estão para ser destruídas não se sabendo se já foram senão - como "espionagem política". Ao que se sabe o ministro continua em funções porque aquilo que um ministro não pode certamente fazer são "corninhos", porque isso, meus amigos, é que é atentar contra o estado de direito e ministro que o faça, já se sabe, vai para casa recapitular os fundamentos da coisa.
As conversas públicas entre Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e o Procurador Geral da República adquiriram uma tal regularidade, intensidade e interesse que ninguém se preocupa em perceber quem mandou o quê e em que data, quantas certidões existem, quantas já foram para destruição, quantas estão a ser analisadas para avaliar se serão destruídas ou não, quantas cassetes com escutas de Sócrates existem, se cinquenta como diz o Ministro da Defesa - que tem obrigação de saber de coisas de guerras, não vamos agora pensar do senhor ministro o que diz o Alberto João - se cinco ou seis ou se seis e mais cinco, como disse alguém num dia qualquer, ou tão puco se o Procurador Geral e o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça estão mesmo em sintonia destrutiva de cassetes ou não, ou se pelo contrário já terão marcado o local e as condições do duelo entre eles que determinará a verdade dos factos pela lei do mais forte.
Posto isto ninguém se preocupa com as vitimas do processo como é o caso daquele funcionário da Petrogal que está em casa, impedido de trabalhar na refinaria de Sines, porque supostamente terá recebido alguns trocos do senhor Godinho que, entretanto, terá retirado das instalações, sem autorização da Administração, mais de uma centena de toneladas de cobre que o senhor Godinho confundiu com sucata e que retirou enquanto o referido senhor estava de costas e o resto da refinaria tinha ido de férias para o Brasil durante o período exacto em que o senhor Godinho encheu os carritos de cobre com que ele depois compra os melões e os Mercedes e as outras coisas que fazem andar o país.
Hoje na audiência com o Presidente do STJ o Presidente da República apenas deve aproveitar a ocasião para falar da recente reeleição de Noronha do Nascimento já que se lhe desse para abordar o caso das Sucatas era conversa para necessitar de muitas horas de análise e reflexão assim coisa para solicitar um Poirot especializado em sucatas à moda de Portugal.

PS - no meio disto tudo o que é injusto é o facto de ninguém ter dado a devida atenção à entrevista da Pública a Isaltino Morais em que o autarca confessa as suas dúvidas em votar num tipo como ele, isto é em alguém condenado pela justiça. Notável.


 

Pedra do Homem, 2007



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