Iniciou-se, no passado domingo, o neófito As Escolhas de Marcelo, espaço de opinião da RTP 1 que veio substituir a rubrica dominical do TVI Jornal onde se revelou um dos mais hábeis, inteligentes e eloquentes pensadores portugueses. Refiro-me a Rui Gomes da Silva, obviamente, e é com tristeza que observo que, tirando as crónicas dos seus colaboradores no DN, poucas têm sido as suas intervenções de relevo ultimamente.

Mas, voltando ao As Escolhas de Marcelo, tenho de dizer que a estreia foi decepcionante, muito abaixo do formato original. E é pena que assim seja.

E o que me chocou mais? Pouca coisa, já que vi apenas trinta segundos de 'escolhas'. O meu maior choque foi mesmo o 'formato': um programa dedicado ao comentador, conduzido pela senhora da sala dos espelhos, gravado num cenário formal e sem o seu principal foco de interesse: o pivot Júlio Magalhães.

Na TVI, o programa era descontraído, empacotado que estava num noticiário, uma verdadeira conversa de homens em que tanto o professor Marcelo falava de geo-estratégia, como sugeria a aquisição de números antigos da revista Burda num qualquer alfarrabista da rua dos Bacalhoeiros. Havia uma dinâmica forte entre o professor e o Júlio Magalhães, que ouvia atentamente e complementava com perguntas condicionadas e comentários espirituosos, dignos do homem do norte que é. Mais do que um programa, era uma conversa entres dois amigos, um com a sorte de ter estudado mais e de ter tido uns livros em casa, o outro feliz por ter ali um amigo que, apesar de mais inteligente e mais famoso, não se importava de perder o seu final de domingo com dois dedos de conversa sobre o mundo e as histórias lá da aldeia.

Agora, isso já não acontece. O Júlio ficou sozinho e, em seu lugar, colocaram a Ana Sousa Dias. A Ana Sousa Dias tem um bom programa que eu ainda nunca consegui ver até ao fim, mas que amigos meus, amigos assim como o Marcelo o era do Júlio, dizia eu que amigos meus me afiançam ser 'muito interessante', pelo que não tenho razões para desconfiar. Só que a Ana não é o Júlio. A Ana nunca levará um cachecol do Porto para dar ao professor, nem o professor poderá retribuir com um gorro da selecção. A Ana nunca perguntará ao professor se ele prefere o 4x4x2 do Mourinho ou o 4x3x3 do Peseiro, nem discutirá sobre o melhor restaurante de leitão da Bairrada, nem levará azeite da terra dos cunhados para lhe oferecer. E o professor nunca a convidará em directo para uma jantarada num restaurante de Celorico de Basto ou oferecerá uma perna de presunto de Chaves depois de recomendar um espectáculo no CCB e uma prova de natação nas piscinas do Campo Grande.

A Ana, simplesmente, não é o Júlio. Falta-lhe o espírito, a descontracção, a simplicidade e a generosidade desse grande homem; é isso, a Ana não é homem. Não é o amigalhaço. Agora, como é que iremos acreditar que, acabado o programa, sairão os dois juntos, lado a lado, para uma bifana em Alcântara, num final a sugerir um feliz remake do Casablanca?


 

Pedra do Homem, 2007



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