O "modelo" de desenvolvimento urbano largamente experimentado e melhorado pelos patos-bravos e pelos seus homónimos autarcas transformou de forma impiedosa as nossas vilas, as nossas cidades e a paisagem em verdadeiros pesadelos. Poucos são os concelhos onde uma ideia javarda de "desenvolvimento" não veio corromper aquilo que geracções consecutivas tinham sabido preservar. Muitas vezes, apenas o velho equilíbrio, quase perfeito, entre uma rua íngreme de cubos de granito que dobra a esquina de uma velha casa e revela um velho muro caiado de ocre, o que permite a quem desce o amparo suficiente para banhar os olhos no mar azul que se perde no infinito. Tudo suprimido em nome do progresso materializado num qualquer condomínio privado de luxo que vende a alguns a beleza que era de todos.
Vem isto a propósito do notável texto de Eduardo Pitta sobre a transformação da vila de Cascais. Cito: "(...)Cascais era então uma vila simpática, limpa, cosmopolita, com gente bonita, poucos carros, bons restaurantes, dois cinemas, bares cosy, discotecas bem frequentadas (...) Sem que os equipamentos tivessem sido reforçados (o hospital só encontra paralelo no Sudão), a população residente duplicou. O parque automóvel multiplicou por quatro. Num breve e feliz entreacto, os cinemas chegaram a ser cinco. Depois, com a abertura do CascaiShopping, em Maio de 1991, o quotidiano foi sugado para os matos de Alcabideche. Um a um, num curto lapso, fecharam os cinco cinemas. Quem quisesse que fosse a Alcabideche. A chegada de Judas instalou o caos. A quinhentos metros da Boca do Inferno construiu-se uma Reboleira de luxo, onde, há quinze anos, um T2 custava oitenta mil contos [400 000€]. Os prédios ainda lá estão, entalados entre o Rosário e a Gandarinha. Saiu Judas, o pato-bravo, entrou Capucho, o barão, e nada mudou (...) Sim, ainda há gente bonita, e com um punch mais difícil de encontrar em Lisboa. Mas o resto é uma desolação. A decadência urbana, o comércio pindérico, as ruas desertas de pessoas, a marina deserta, o monólito do Estoril Sol agora com as varandas pintadas de cores diferentes umas das outras, um espesso manto de poeira cobrindo árvores, passeios e montras. E carros, carros por todo o lado (um terço são jipes topo de gama), filas intermináveis de carros bloqueando todos os caminhos. É isto, o progresso?"
Para ler e chorar.


 

Pedra do Homem, 2007



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