O melhor dos dias cinzentos: abrem a possibilidade de descansar.
Apesar da alegria e do bem estar que nos é culturalmente imposto em dias estivais, há qualquer coisa de relaxante num dia de chuva em pleno Julho. É como se o festival que nos obrigam a frequentar entrasse em pausa durante algumas horas, para recompor melhor as coisas. Como se pudéssemos entrar em nossas casas durante alguns momentos para resolver o que ficou por arranjar, para respirar, para fazer os telefonemas que ficaram na agenda.
O festival é essa espécie de encontro acidental entre os que cá estão e os que vieram conhecer e que nos faz, sem ter em conta a nossa vontade, sorrir. Obriga-nos também a correr. A espernear, às vezes.
Se não vivêssemos em época de cyber cafés, poderia mesmo dizer-se que alguns de nós aproveitam para pôr alguma correspondência em dia. Talvez haja quem se sente a escrever correios electronicos nas horas como esta.
Nas ruas também podemos notar. Os autocarros parecem patinar graciosamente e desenhar serpentinas gigantes nas avenidas. As pessoas caminham algo incomodadas pelas gotas de água que compõem essa humidade latente, mas não deixam de dirigir-se aos seus destinos. Há frescura no ar em todos os sentidos. É neste contexto de frescura que nos podemos inspirar para escrever estas linhas, momento em que a poeira que se despede das calçadas acompanha a aragem, tão imprescindível de vez em quando. Como se cada uma das pessoas que entra e sai de sua casa, que sorri de uma forma mais ou menos formal ao senhor da galeria que se encontra ao lado, sorrisse também a certas tensões que lhe causam o calor e a poeira de Verão. Muita dessa poeira é transportada em chinelos, em sandalias e em sapatos de Verão de turistas que chegam a Paris vindos e todo o mundo. Talvez tragam consigo as suas tensões e nas caminhadas que fazem junto ao rio dufumam-se nas pedras da calçada. Ainda assim, vale a pena aproveitar esses dias de chuva no início do estio. São dias de reciclagem. Pessoal e colectiva, mas também urbana e, ainda que longe daqui, de certeza, a reciclagem dos campos. Por isso existe também a chuva, creio eu. É sem dúvida, pelo tempo que proporciona, uma forma de fazer dias felizes.

António Oliveira e Silva
Texto recebido por e-mail


 

Pedra do Homem, 2007



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