Uma das simplificações grosseiras que a democracia normalmente promove é a de que em cada eleição estamos a julgar, apenas, aqueles que estiveram no exercício do poder no período anterior às mesmas. Levada ao extremo esta simplificação leva a um rotativismo extremo entre dois partidos que se revezam no exercício do mesmo poder, aquilo a que alguns chamam o centrão. A perda de umas eleições e a passagem durante algum tempo pela oposição corresponde assim não só a uma punição mas também a um acto purificador por si só. Basta ao partido que esteve no poder passar por este estado para se poder apresentar no próximo acto eleitoral com uma legitimidade renovada para se propor voltar a governar. Exercícios de carácter reflexivo sobre o que correu mal ou sobre o que há necesidade de alterar são escusados e mesmo desaconselhados: basta, na pior das hipóteses, mudar de líder e esperar para que tudo possa voltar a correr bem.
As eleições em Lisboa dão uma medida exacta deste estado de coisas. Pede-se o voto contra aqueles que estiveram no poder nos últimos 6 anos, responsáveis pelo estado a que chegou a cidade. Os responsáveis para a esquerda são o PSD e o PP que governaram a cidade. O PSD inaugura nestas eleições uma nova variante do que atrás disse. Para o PSD - e para o PP- "os responsáveis" é Carmona Rodrigues. Um partido pode candidatar-se contra si próprio desde que tenha mudado de candidato e o anterior, por uma qualquer circunstância, faça o favor de permanecer na liça e forneça desta forma um alibi perfeito aos que exerceram o poder. Não foi o PSD que governou mal, foi Carmona Rodrigues. Não foi o PSD que fez aumentar o endividamento da Câmara a níveis gigantescos, foi Carmona Rodrigues. Neste caso o PSD não valoriza sequer o facto de o autarca ter promovido a tradução nas contas da autarquia da totalidade das dívidas que até aí não eram traduzidas no balanço, de que a da Parque Expo era a mais destacada. Necessidade de atacar Carmona oblige.
Os cidadãos com menos paciência para a política e os seus jogos não gostam disto e como se vê Carmona resiste com níveis elevados de popularidade e parece mesmo que pode vir a integrar uma solução de Governo da cidade com os socialistas.


 

Pedra do Homem, 2007



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