Na edição de Março do Le Monde diplomatique, edição portuguesa, publicam-se num dossier sob este título três textos da autoria de Carlos Carvalhas, Francisco Louçã e de José Reis. Todos os textos me pareceram muito interessantes mas é o texto de José Reis - economista e professor catedrático da universidade de Coimbra, militante do PS que já desempenhou funções governativas e foi deputado - que me suscita esta análise.
O texto de José Reis tem o sugestivo título de "O tempo dos regressos ao futuro: por um desenvolvimento inclusivo”. A pergunta para a qual José Reis procura uma resposta é a de saber se existe ou não uma política económica de esquerda para fazer face á crise actual? Para encontrar uma resposta o autor começa por revisitar os "factos característicos" que marcaram a trajectória de crescimento da economia nos últimos 50 anos. Esses factos característicos foram a industrialização dos anos sessenta, a emigração da mesma altura e a internacionalização da economia. Existe uma relação entre todas elas já que o "crescimento que então se verificou não foi capaz de gerar emprego, sendo um crescimento que desconsiderava o trabalho, o “desutilizava” e, portanto o rejeitava, enviando massivamente mão-de-obra para as economias em que crescimento, industrialização e expansão do mercado de trabalho iam a par”. José Reis recorre a esta lição do nosso passado recente para explicar a crise actual, que se traduz na incapacidade verificada depois de 2003 de manter o comportamento cíclico regular da nossa economia, identificando o autor três ciclos de crescimento separados por períodos de decrescimento.
O período da instauração da democracia (1976- 1984), o período da adesão à CEE ou do cavaquismo (1985-1993) e o período da entrada na UEM ou do guterrismo (1994-2003). A explicação para essa crise radica na utilização que se faz do factor trabalho, um uso em quantidade, em detrimento da busca de qualificação, da procura de criação de valor e da diferenciação. Um caminho que conduz ao aumento do desemprego e à escassa criação de valor internacional. José Reis acha que “existe de facto uma política económica de esquerda – a do desenvolvimento inclusivo – e que é possível definir-lhe os pilares”, mas reconhece que nos tempos que correm, perante a crise existente à pergunta “se estamos perante reformas ou perante um processo de desconstrucção social?” a resposta parece-lhe clara: “os tempos que correm são indistintos, sendo muito difícil perceber onde assentam as forças da economia e a vitalidade de processos sociais dinâmicos integradores. Parece-me também claro que não estamos – longe disso – perante uma perspectiva de desenvolvimento inclusivo. Pelo contrário, os processos de desconstrução social e política – a que frequentemente se chama reformas – são fortíssimos. Mas, ao contrário das reformas, são muito visíveis as formas de desfazer, não sendo nada evidentes as formas de fazer. Quer dizer, a fase essencial das reformas são o que elas contêm de elaboração, construção e difusão de um modelo social alternativo, assente em pilares positivos e inclusivos. Ora, é este aspecto que aparece altamente deficitário na actual política económica.”
Por fim o autor enumera os pilares que sustentarão uma política económica de esquerda. Em primeiro lugar “a reconstituição do valor do trabalho na economia – valor material mas também valor no quadro das relações sociais dinâmicas e não agressivas – é, porventura, o pilar essencial de uma política económica de esquerda. Tendo sido perdida a noção de que o trabalho é parte das organizações, e não apenas um factor usado por elas de forma discricionária, urge regressar a esta relação, nos termos exigidos pela nova economia do conhecimento.” Depois a “organização: organização empresarial, valores políticos e económicos que, em vez de apenas pensarem no valor “accionista” e na governação exclusivamente mercantil da produção, pensem também na cultura da empresa, na lealdade para com o trabalho, na valorização das capacidades, na redução da incerteza laboral”. Por fim o último pilar de uma política económica de esquerda é o da “valorização das capacidades e da criação das competências. As pessoas em primeiro lugar, é claro. Através da escola e da formação, sem dúvida. (…) É altura de regressar igualmente ao Estado e à Administração. (…) O Estado e a Administração pública são uma das mais poderosas fontes de organização, capacitação e liderança. Sabe-o, melhor que ninguém, o capital e os grandes interesses que usam selectivamente o Estado e a Administração como mais ninguém. (…) Parece-me necessário falar sem inibições da boa despesa pública, do necessário papel do Estado perante a “sociedade privada”, bem mais influente e tacanha que o próprio Estado nas suas piores facetas”.
A ler sem falta.
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