Num artigo de hoje , no Público, o professor Luís Campos e Cunha (LCC) aborda a questão da introdução das portagens na entrada em Lisboa. A tese defendida por LCC é a de que "a vasta maioria das obras megalómanas foram sempre para benfício dos não-lisboetas e pagas com os recursos da câmara dos lisbotas." Para clarificar o seu ponto de vista o autor esclarece quais são as tais obras megalómanas. São os viadutos, os túneis e os parques de estacionamento subterrâneos.
A defesa da introdução das portagens apoia-se num argumento que é o seguinte: "A introdução das ditas portagens incentivaria as pessoas a viverem em Lisboa, evitando o seu despovoamento, seria uma receita da cidade, ajudando a torná-la mais habitável, e seria uma justiça para quem cá vive. Num futuro longínquo até pderíamos sonhar com uma baixa de custos de viver em Lisboa. Até lá, Lisboa é, cada vez mais, um local de passagem e cada vez menos uma cidade para se estar e viver."
LCC acrescenta uma explicação inovadora para a saída dos lisboetas da cidade. Diz ele que, "como as receitas da CML, foram, em boa parte, gastas em obras para favorecer os não-lisboetas, a degradação da vida citadina e da cidade levou-os para fora de Lisboa. Com uma base tributária estagnada ou mesmo em queda, os impostos e taxas em Lisboa aumentam, o que, mais uma vez empurra a população para fora de Lisboa."
Bom, em boa verdade LCC nunca nos diz quem são os lisboetas e os não-lisboetas. Mas dá a entender que há lisboestas que perderam esse estatuto - por terem deixado de viver em Lisboa - por razões imputáveis à degradação da situação financeira da autarquia e ao consequente aumento de impostos e taxas.
Julgo que as explicações do reputado economista são pouco rigorosas e até pouco sérias. Em primeiro lugar entre os não-lisboetas que beneficiariam das obras pagas pelos lisboetas estão na sua larga maioria .... lisboetas. Lisboetas que foram compelidos a viver fora de Lisboa por um conjunto de razões que nada têm a ver com as avançadas por Luís Campos e Cunha. A principal razão para a saída dos lisboetas da cidade - 300 mil entre 1981 e 2001 segundo os censos - é a incapacidade para aceder a uma habitação condigna dentro da cidade e o facto de nas periferias, servidas por importantes obras públicas ligadas às acessibilidades, essas habitações existirem a preços muito inferiores. Foi o que aconteceu com Sintra cuja população cresceu em 20 anos mais de 200 mil pessoas - dados do PROT da AML - e com Montijo e Alcochete depois da construção da ponte Vasco da Gama. A expulsão dos lisboetas da cidade de Lisboa faz-se num quadro de demissão dos poderes públicos na resposta aos direitos e às necesidades das populações. Para usar uma linguagem que LCC domina, diria o seguinte: em Lisboa a hegemonia do mercado na promoção do desenvolvimento urbano levou a que a produção de habitação fosse determinada pelos interesses da oferta e se fizesse à revelia dos interesses da procura. Claro que neste quadro todos os segmentos solventes da procura endividam-se até ao limite para adquirirem as habitações aos preços altamente especulativos que se praticam na capital. Os outros, que são a maioria,- em 20 anos mais de 300 mil - são expulsos - a expressão é rigorosa - para as periferias. Trata-se de um sinal dos tempos que correm e a expressão cruel de um modelo liberal que prospera à custa do aumento das dificuldades da maioria das pessoas e com os investimentos públicos. Os investimentos em acessibilidades são a contrapartida do lado do Estado para manter este sistema de hiperexploração das populações a funcionar. O outro lado da acção do Estado é a sucessiva permissão da dilação dos prazos de amortização dos empréstimos para compra da habitação. Como LCC saberá, muito melhor do que eu, estas intervenções visam sobretudo evitar a baixa do preço do imobiliário e conter artificialmente o não cumprimentos dentro de limites toleráveis. Visam também manter o negócio da banca, a única beneficiária deste sistema, que hoje depende em grande parte do crédito à habitação. Em 2005 sessenta e sete por cento dos activos dos 5 maiores bancos portugueses eram crédito à habitação, segundo dados do BP, instituição que LCC muito bem conhece. Claro que à custa, principalmente, do esforço financeiro das famílias que no final pagam mais durante mais anos e à custa da própria lógica do mercado já que a existência de uma oferta excessiva para certos segmentos da procura e de uma procura enorme para uma oferta inexistente -em Lisboa haverá centenas de milhares de famílias com necessidade de uma habitação com quatro assoalhadas com um preço não superior a 150 mil euros , não há é um único fogo à venda por este preço - não conduz a uma adaptação entre a oferta e a procura nem tão pouco a uma baixa dos preços.
Por outro lado carece de demonstração que sejam os lisboetas, não mais de 500 mil segundo a "definição LCC", a pagar as tais obras megalómanas. Eu julgo que elas são pagas por todos nós, pelo país inteiro, pelos impostos dos portugueses e que muitas delas não foram pagas pela autarquia. O que eu sei é que esses custos deveriam ser imputados aos que determinam o modelo de desenvolvimento urbano seguido na capital e dele tiram os seus astronómicos proveitos.
Por estas razões acho uma coisa sinistra a introdução de portagens nos acessos a Lisboa. Mas, estou convencido que ela será inevitável já que a nossa classe política faz da cobardia uma qualidade e entre enfrentar os problemas afrontando os mais fortes, prefere sempre penalizar os mais fracos, as vitímas. Léon Krier dizia que o movimento moderno com o zonamento tinha feito da vida nas cidades uma coisa insuportavelmente dispendiosa em tempo de transporte com o bombardeamento diário da cidade pelos subúrbios. Em Portugal acrescentámos a isso um modelo de desenvolvimento urbano em que a captura das mais-valias é feita pelos privados com todas as consequências que isso acarreta. Mas o conservador Krier é pela sua clarividência e seriedade intelectual um revolucionário quando comparado com a nossa elite político-académica. Esta mostra enormes competências apenas numa área: diabolizar a vida dos portugueses que não pertencem às famílias do regime, acrescentando sempre "novas qualidades" às clássicas formas de agravamento das suas condições de vida.

PS- LCC acha que existem dois argumentos contra a introdução das portagens. Os que ele refere são de pouca importância e de pouca relvância. Mas existem outros como aqui refiro.


 

Pedra do Homem, 2007



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