Este post não se destina a falar da tentativa de receber com ovos a ministra da educação facto que já permitiu ao primeiro-ministro colocar-se no papel de vitima e comentar que achava o acto lamentável, apenas lamentável.
O que quero chamar a atenção é de um texto de Aires Almeida,Professor titular de Filosofia da Escola Secundária Manuel Teixeira Gomes, de Portimão, que o Público publica.
Escreve o professor de 48 anos de idade "(...)Creio poder dizer, sem qualquer exagero nem arrogância, que conheço melhor do que a senhora ministra o que se passa nas escolas, pois há 25 anos que passo a maior parte da minha vida nelas. Ora, nunca, mas mesmo nunca, houve tanta confusão e um ambiente tão pouco adequado ao ensino e à aprendizagem como o que se verifica actualmente.Perguntar-se-á: o que ando então a fazer o tempo todo para deixar de preparar as minhas aulas como deve ser? A resposta poderia ser dada até pelo meu filho, apesar de ainda ser criança: além das aulas, passo os dias em reuniões intermináveis para entender o sentido do terrorismo legislativo com que se tolhem e intimidam os professores. Na verdade são muito mais as horas que tenho gasto a reunir por causa da avaliação do que com aulas. E o pior ainda nem sequer chegou. Como avaliador de oito colegas, terei de inventar mais 36 horas para assistir a aulas suas, além das reuniões preparatórias que tenho de fazer com cada um deles e dos quilos de papelada para preencher. De resto, na minha escola os professores irão passar o ano a assistir às aulas uns dos outros, pois somos 165 professores, o que dá cerca de 500 aulas assistidas por ano. Além disso, terei de preparar tudo para o meu avaliador – um colega de Economia que não tem culpa de nada e que fará certamente o seu melhor – poder assistir às minhas aulas de Filosofia.Que o novo modelo de avaliação é inútil e ineficaz já o provou definitivamente, sem o querer, a senhora ministra. Diz ela repetidamente que esta avaliação é absolutamente necessária para a qualidade do ensino e para a melhoria dos resultados. Porém, anunciou com grande pompa ao país que os resultados melhoraram no último ano, o que acabou por ser reforçado com a divulgação dos resultados dos exames nacionais. Só que esta apregoada melhoria da qualidade e dos resultados verificou-se ainda antes de o modelo de avaliação produzir qualquer efeito. Logo, fica provado que a avaliação não é uma condição necessária para a melhoria da qualidade e dos resultados. O que leva então a ministra a dizer que a avaliação é absolutamente necessária? Os responsáveis pelo actual ministério da educação parecem, talvez inconscientemente, querer pôr em prática o cenário tenebroso descrito por George Orwell em "Mil Novecentos e Oitenta e Quatro", em que a catadupa de despachos, decretos regulamentares, documentos orientadores, ordens de serviço, instruções superiores, recomendações, etc., frequentemente incoerentes – vale a pena dizer que acumulo em casa mais de mil fotocópias sobre avaliação, que me foram entregues na escola –, são a tradução quase literal do "Big Brother is watching you" da 5 de Outubro. A obsessão do ministério por controlar tudo e todos até ao mais pequeno detalhe está bem patente no modelo de fichas de avaliação que impõe às escolas e aos professores (parece que a ideia é a de que, entre tanta coisa pedagogicamente inane, sempre há-de haver uns quantos aspectos em que o avaliado vai falhar, de modo a não atrapalhar as escassas cotas disponíveis para progressão na carreira).(...) Mas o pior de tudo é que o modelo de avaliação fabricado na 5 de Outubro não vai permitir distinguir os bons dos maus professores, ao contrário do que a senhora ministra alega. Talvez seja até pior do que a completa ausência de avaliação, premiando arbitrariamente alguns dos maus e castigando cegamente muitos dos bons. Se assim não fosse, que razões teriam os bons professores que desfilaram na manifestação de sábado para lá estarem? Ou será que os mais de cem mil são todos maus ou simplesmente estúpidos? (...) Assim, tudo indica que quando a senhora ministra afirma totalitariamente que ou se aplica o seu modelo ou não há outro, só pode estar a fazer chantagem, o termo que utiliza para descrever o comportamento dos sindicatos junto dos professores, como se os professores fossem idiotas. A verdade é que neste momento já não são os sindicatos a comandar os professores, mas os professores a empurrar os sindicatos, de tal modo que os próprios sindicatos já não estão em condições de cumprir o acordo assinado há meses com o ministério.(...) Por isso, não vale a pena recorrer a fantasias e negar uma realidade muito crua: a insistência do governo no actual modelo está a degradar como nunca o sistema educativo nacional e a pôr em causa o normal funcionamento das escolas. E esta ministra ficará seguramente na história como a maior desgraça que se abateu nos últimos tempos sobre a educação em Portugal.(...)". O professor termina com um apelo à desobediência à lei citando John Rawls que na sua obra "Uma teoria da Justiça" escreveu que " o facto de os cidadãos estarem em geral dispostos a recorrer à desobediência civil justificada é um elemento de estabilidade numa sociedade bem ordenada, ou seja, quase justa". Escreve Aires Almeida a terminar o seu texto: "(...)E é também por isso um imperativo de justiça desobedecer a esta lei arbitrária e injusta, sobre uma questão de tão grande importância. Chama-se a isto desobediência civil e foi isso que fizeram em diferentes circunstâncias Gandi, Luther King, Bertrand Russell e muitas das referências cívicas e culturais do nosso mundo. É ilegítimo não cumprir a lei, diz a senhora ministra sem se aperceber que está a ser redundante. Pois é, é ilegítimo não obedecer à senhora ministra, pois foi ela que fez a lei. Mas terá mesmo de ser."
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