O Público, pela pena do jornalista Carlos Dias, dava conta, na edição de ontem, que a autarquia de Sines voltara a captar água na zona industrial. Lida a notícia - que no essencial reproduz o comunicado da autarquia - percebe-se que o sistema não foi completamente restabelecido. Com efeito o JKC1 e o EGC2 não foram recolocados ao serviço. O JKC1 é uma captação situada perto da Repsol, muito polémica porque se situa numa zona muito afectada por descargas eventuais e pela progressiva contaminação dos solos, já que se situa na zona de influência da Ribeira dos Moinhos, com os solos com características geológicas propícias à infiltração de poluentes e contaminação dos aquíferos. A esta captação estão associados episódios de contaminação provocados por decargas provenientes do sistema de águas residuais da antiga EPSI, para referir apenas um caso concreto.
Parece que a autarquia - ou terá sido a autoridade de saúde? - usou a prudência e a sensatez que faltou na ocasião anterior. Optou por não colocar estas captações ao serviço face aos resultados obtidos. Pela mesma razão, usando das mesmas prudências e sensatez devia, acho eu, ter imeditamente suspendido o abastecimento em 19 de Novembro de 2009 e não apenas em 22 de Dezembro de 2009.
Mas nestas notícias e no comunicado da Câmara existem aspectos que não são claros e que se situam no domínio daquilo a que podemos chamar uma "deliberada falta de informação" e mesmo a "promoção de uma deliberada confusão".
Como manifestações do primeiro caso saliento os seguintes aspectos: 1)Os resultados da análise da EPAL referem-se a amostras recolhidas em que dia? Certamente entre o dia 19 de Novembro e 22 de Dezembro, mas exactamente em que dia? Será que autarquia vai divulgar essa data? Porque razão não o fez ainda?
2) As análises feitas pela EPAL permitiam detectar todos os tipos de hidrocarbonetos que se podem encontrar nas águas destinadas ao consumo humano? Será que a autarquia nos pode esclarecer se além dos Hidrocarbonetos dissolvidos ou emulsionados referidos pela notícia e pelo comunicado foram também analisados os Hidrocarbonetos Aromáticos policlicos cuja detecção é considerada uma prioridade pela Directiva sobre o Quadro Europeu da Água (2000/60/EC)?
Estes hidrocarbonetos são disruptores do sistema endócrino, altamente cancerígenos e por isso são classificados como Substâncias Tóxicas no Anexo VI(relativo aos padrões de qualidade da àgua para consumo humano) não sendo admissíveis valores superiores a 0,2 microgramas por litro de água. Os Hidrocarbonetos dissolvidos ou emulsionados são apenas classificados como substâncias indesejáveis na nossa legislação e são um indicador de degradação da qualidade da água enquanto os outros hidrocarbonetos revelam a toxicidade da água já que são potencialmente mutagénicos e carcinogénicos.
No segundo campo refiro referência a uma confusão entre os Valores Máximos Admisíveis e os Valores Máximos Recomendados. A Câmara refere que "todos estes valores" estão situados muito abaixo do máximo permitido por lei: 50 microgramas por litro".
Parece-me uma informação objectivamente destinada a confundir as pessoas e a dar uma imagem de falsa segurança. Porquê? Em primeiro lugar os Valores Máximos Recomendados - definidos no Anexo VI - Qualidade de Água para Consumo Humano - são no caso dos Hidrocarbonetos dissolvidos ou emulsionados 10 mg/l . Neste Anexo não é fixado qualquer valor para o Valor Máximo Admissível. Há uma diferença entre estes dois conceitos. O Valor Máximo Recomendável é "o valor de norma de qualidade que, de preferência, deve ser respeitado ou não excedido" enquanto o Valor Máimo Admissível é o "valor de norma de qualidade que não deverá ser ultrapassado".
Qualquer pessoa percebe que um sistema de abastecimento de água decente trabalha com o Valor Máximo Recomendável como o seu valor limite, sobretudo se pensarmos em substâncias indesejáveis ou tóxicas.
Assim sendo qual é o valor máximo admitido pela lei? A autarquia acha que é 50 mg/l, cinco vezes mais do que o Valor Máximo Recomendado. Recorre ao Anexo I do mesmo Decreto que determina a "qualidade das águas doces superficiais destinadas à produção de água para consumo humano". Aí é fixado o valor máximo admissível para os referidos hidrocarbonetos que é de 50mg/l. No entanto apesar desse Anexo ser aplicável "às águas substerrâneas destinadas à produção de água para consumo humano" (artº 13º e seguintes) o artº 17º obriga a que "fique assegurado que a água distribuída para consumo humano possui qualidade conforme com as respectivas normas de qualidade (anexoVI)". Ora, nessas normas é apenas fixado o Valor Máximo Recomendado. Não pode ser excedido e é de 10 mg/l.
Será que a Câmara de Sines e a Autoridade de Saúde podem explicar melhor o que se passa?
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