O 25 de Abril é uma data que tende a ser menorizada a partir de um conjunto de prácticas que se instalam e que se inscrevem mais na rotina, na mediocre rotina do que na criatividade e no engenho para os quais o 25 de Abril nos convoca a todos.
Ao nível local a rotina admite a festa mas recusa a reflexão e a crítica. Uma festa condimentada com música e com fogo de artíficio, que desta forma se mostra o nosso empenho na data e a nossa identificação com os ideais de Abril.
Em regra não se mostra nada. Muitas vezes o 25 de Abril apenas permite mostrar melhor a forma como ele próprio já foi instrumentalizado para os objectvos mais comezinhos da luta política centrada no umbigo hipertrofiado do autarca em funções e sobretudo desejoso de continuar no usufruto do cargo.
Haverá outros exemplos, exemplos diferentes, e ainda bem. Mas o pacote "música, foguetes e discurso político pré-eleitoral do regedor do burgo", terá este ano de tantas eleições e sobretudo de tantas eleições autárquicas atingido o seu apogeu. Quem não escutou um autarca empolgado aproveitar a data para subir ao palco, não armado do bandolim, da guitarra ou do violão mas para cantar, aliás, declamar aos ventos a lista inesgotável das obras que ele fez, com o seu infinito mérito que o povo deve agradecer depositando os seus votos no sítio certo, Deus seja louvado, aliás, viva o 25 de Abril, porra.
Esta cansativa rotina impõe também ela uma mudança: comemorar Abril com música, com foguetes mas sobretudo criando as condições para fazer de Abril a data por todos reconhecida, pelos mais velhos e pelos mais novos, como a data fundadora da democracia e da liberdade, a data sem a qual nós, sejamos nós quem formos actualmente, não o poderíamos ser.
Para isso temos que ser exigentes e mesmo severos com os caciques que todos os dias repudiam Abril, embora andem sempre com um cravo na lapela e não percam a oportunidade de subir ao palco para a coberto de Abril fazerem a apologia e a promoção de si próprios.

PS - Nas minhas comemorações particulares do 25 de Abril, em Sines, o ponto mais alto foi esta tarde na companhia de José Afonso. Não se tratavam de comemorações oficiais -talvez porque não estavam previstos discursos eleitorais - o que não faz mal. Agradeço ao CCEN a iniciativa.
O Zeca Afonso não se dava muito bem com coisas oficiais.


 

Pedra do Homem, 2007



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