Muito pouca gente deu qualquer importância ao anúncio pelo primeiro-ministro de alterações no processo de elaboração dos Planos Municipais de Ordenamento do Território.
Em tese esta medida é boa. Ninguém no seu juízo perfeito pode defender o status quo, sobretudo a teia burocrática que leva cerca de dez anos a desatar no caso dos PDM´s, cinco a seis no caso dos PU´s e três a quatro no caso dos PP´s.
A atribuição ao nível municipal do essencial da responsabilidade na elaboração também é em tese defensável.
Mas, há sempre um mas nestas coisas, não podemos ignorar a realidade. E a realidade diz-nos que a utilização que os nossos autarcas têm feito do planeamento tem sido sobretudo - com mais rigor poder-se-á afirmar, apenas - como instrumento de valorização da propriedade fundiária e legitimador da captura de mais-valias pelos privados.
Assim sendo esta medida pode ser perigosa se não for acompanhada por um conjunto de medidas complementares. A sua enumeração aqui é, pela extensão, inadequada, mas refiro algumas : 1) que seja proibido às autarquias emitir licenças ou autorizações de construção sem que o território esteja coberto por um Plano de Pormenor; 2) que os PDM´s deixem de atribuir índices de construção e de ocupação do território passando a planos estratégicos vinculativos da Administração e sem atribuírem direitos aos particulares; 3) que a legislação sobre as Expropriações seja revista, consagrando o principio da indemnização, em caso da utilidade pública, pelo valor do uso existente; 4) que sejam criados mecanismos que tornem imperativa a urbanização quando estabelecida nos Planos; 5) que as mais-valias sejam tratadas na legislação urbanística consagrando o principio da sua socialização; 6) que a adjudicação dos Planos seja sempre feita através de concurso público impedindo os concursos limitados e as adjudicações através de protocolos com Universidades, por exemplo.
Estas e outras questões ainda não tiveram resposta por parte deste Governo. Aliás, é significativa a justificação que Sócrates dá para estas medidas. Cito: "(...)Isto é a sério. É no licenciamento que se encontra um dos maiores obstáculos ao nosso crescimento económico. É neste domínio que se devem concentrar os nossos maiores esforços de combate à burocracia e de redução dos procedimentos desnecessários que criam um custo oculto, suportado por toda a sociedade. Nós temos a obrigação de construir uma cultura que valorize a iniciativa, o risco e a capacidade empreendedora. Esta reforma do licenciamento e do planeamento territorial contribui para isso. Facilita a vida aos cidadãos, favorece o dinamismo das empresas e permite que a administração se concentre, com mais eficácia, na fiscalização do cumprimento da lei e na defesa do interesse público.(...)
O enfoque está no lado da competitividade da economia do desenvolvimento e muito pouco no lado do ordenamento do território.
Mas sobre esta pulsão desregulamentadora - que não é nada de novo - e sobre os seus efeitos reais e comprovados, podemos voltar a falar.
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