Foto do "Senhora do Sul"
Do nosso prezado leitor e amigo Joaquim Ferreira da Silva recebemos este texto publicado no último número da revista da Marinha.
"Quando a navegação escolhe um dado local duma costa, para nele proceder às suas actividades comerciais marítimas, está implicitamente a fazer nascer um porto.Um porto necessita, por sua vez, de espaços e equipamentos necessários aquelas actividades. A gestão de todo esse conjunto é entregue a uma administração especificamente preparada para esse fim; uma autoridade, uma empresa, uma junta, uma organização , etc., constituem hoje sistemas modelos da governação dos portos em todo o mundo. As actividades marítimas, ao desenvolverem-se por via dum porto, atraem a componente humana necessária à sua operacionalidade e o comércio e indústria subsequentes. Implanta-se assim o urbanismo envolvente e nasce a cidade correspondente. O crescimento da actividade portuária acaba por afectar significativamente a vida económica dessa cidade e até do país a que pertence. O porto de Lisboa é, por exemplo, no momento presente responsável de 4,6% do PIB da Região Metropolitana de Lisboa e mantêm, em média, 40 mil postos de trabalho a ele afectos. A sua origem mergulha na noite dos tempos. Quando no Século X A.C. os fenícios começaram a estabelecer as primeiras feitorias na península Ibérica devem ter abicado os seus navios nas margens espraiadas do estuário do Tejo e dado possivelmente início ao porto de Lisboa. Sucederam-se os gregos, os cartagineses e romanos. A exploração de minas, nas áreas envolventes, foi o principal objectivo do comércio marítimo desses povos. Os barcos carregavam minérios para os seus portos de origem. As actividades marítimas, assim desenvolvidas, pressionaram as construções urbanas. Fixaram-se populações para essas actividades. Lisboa cidade nasceu e cresceu devido a tais actividades. Vieram os árabes que lhe acresceram o comércio, Os aglomerados de casas envolveram as margens do Tejo, mas as actividades marítimas impuseram desde sempre espaços e áreas reservadas para a vida específica do porto. Ultimamente estamos a assistir a uma ofensiva contra o porto de Lisboa que procura passar para os habitantes da cidade, senão mesmo para todo o País, uma imagem de que a área das suas actividades constitui um entrave ao desenvolvimento da cidade de Lisboa. O conceito que alguns reputados analistas dos media tem sido lançado de que a área do porto de Lisboa é um "Feudo", um "Estado", um "Domínio" ou outros mimos similares, dentro do Estado Português é no mínimo fruto do desconhecimento do que são e como se gerem os portos, para não dizer que são chavões "dum papão" para assustar as pessoas desconhecedoras da matéria. E assim aceitarem o ataque que, sobre a área portuária, se abateu nos dias de hoje.
O potencial de crescimento e desenvolvimento dum porto só se torna grande quando a sua capacidade de gerar riqueza crescer. E essa capacidade faz-se tendo por base o aumento das actividades marítimas que esse porto proporciona à sua cidade e ao País.É a cidade de Lisboa que terá que ceder espaços para esse aumento. Não é o porto que se deve reduzir para crescer a cidade.
O moderno transporte marítimo, na base da contentorização das mercadorias ( e esta contentorização está em elevado crescimento) impõe que os portos só geram riqueza com mais espaço para fazer aumentar as mercadorias que neles circulam e não pelo maior potencial imobiliário que neles se implemente. As cidades portuárias têm que gerir os seus portos fazendo deles a seiva da sua vida, envolvendo os seus habitantes nas suas actividades ( embarque e desembarque de passageiro e mercadorias, industrias navais, industrias de pesca, logística militar, industrias de turismo e desporto náutico, etc.) e se envolverem em conjunto com os seus agentes económicos na gestão dos portos. Dizer-se que a Administração do Porto de Lisboa gere a sua área como um Estado dentro de outro Estado é tão demagógico como dizer-se que a área do aeroporto, ou a de um hospital, ou a dum estádio de futebol ou até a de um quartel , é um feudo prejudicial onde ninguém toca. Os principais portos mundiais que originaram cidades envolventes, como por exemplo os grandes portos holandeses, têm uma área estratégica atribuída bem definida, incluso vastas zonas protegidas destinadas à sua expansão futura. Área essa sobre a qual o urbanismo das cidades, a eles envolventes, está impedido de avançar. Mais, em alguns casos como por exemplo no porto de Amesterdão são as cidades como Zaandal, Bewerwijk e a própria Amesterdão que têm cedido parte das suas áreas às necessidades expansionistas do porto, em especial nos novos terminais de contentores que nele se têm implementado. E na Holanda cada metro quadrado de terreno é disputado renhidamente. É o Porto de Lisboa que se deve alargar ou expandir pelas áreas dos municípios afins (Lisboa, Loures, Oeiras, na margem norte e Almada, Seixal, Barreiro, Moita e Montijo na margem sul.) e organizar-se de modo a se tornar mais competitivo com os futuros transportadores marítimos, em especial nos terminais de contentores, pedras basilares dessa competitividade. O Porto de Lisboa deve ser o resultado duma forte combinação de três grandes bacias de movimentação de navios; a margem direita pela cidade de Lisboa e a face de Almada-Trafaria e a bacia de Seixal-Barreiro na margem esquerda. Se quisermos um País mais rico é o Porto de Lisboa que se deve expandir nessas grandes áreas e não os municípios correspondentes a impor-lhe restrições ou enfraquecê-lo superficialmente por via do urbanismo.E deverá ser sempre a Administração do Porto de Lisboa a gerir a sua área."

Joaquim Ferreira da Silva

Capitão da Marinha Mercante

Nota: A pergunta é pertinente e o tema justifica uma boa discussão e uma argumentação fundamentada. Para já deixo apenas esta pequena nota: a frente ribeirinha e a área portuária são coisas diferentes sendo que uma - a frente ribeirinha - é maior e mais importante do que a outra sob todos os pontos de vista com excepção do económico, já que existe uma economia associada ao porto cuja importância excede o nível da Cidade, interessando ao país no seu todo. Devem coexistir harmoniosamente e, com exclusão do área estritamente portuária, devem ser geridas pela Cidade. Um bom tema para outros posts.


 

Pedra do Homem, 2007



View My Stats