O vice-presidente da CCDR, a propósito da assinatura do protocolo de cooperação do Projecto GISA, mostrou-se “convicto de que o projecto vai permitir desfazer alguns mitos sobre a poluição em Sines e na região".
Alguém que ainda tenha uma réstea de esperança na intervenção pública em defesa do direito das populações à saúde e ao ambiente fica, no mínimo, perplexo com as convicções do referido senhor, Jorge Honório de seu nome.
Seria expectável que o GISA visasse permitir, a curto prazo, melhorar a qualidade do ambiente e em consequência a qualidade de vida dos que aqui vivem. Pelos vistos visará desfazer alguns mitos. O vice-presidente não esclareceu quais, nem de quem.
Recorro a Barthes e à questão que colocou a si próprio no final do seu celebrado "Mitologias": "O que é um mito hoje?". A resposta veio clara: "o mito é uma fala".
Assim sendo e dado que "tudo o que é passível de um discurso pode ser um mito" talvez Jorge Honório queira apenas referir-se ao seu próprio, construído sobre, e à margem, (d)esta realidade. Um mito que, enquanto sistema de comunicação, enquanto mensagem, nos pretende transmitir a ideia de que esta zona é uma zona na qual os problemas ambientais e de saúde pública são de menor monta do que aquilo que se diz. O recurso ao termo "desfazer" dá a ideia do seu grau de convicção no mito, no seu mito de que tudo está bem. Talvez estejamos apenas na presença de um pequeno construtor de mitos ao serviço da subjugação do direito das populações a manifestarem-se, a exprimirem os seus receios face às agressões ambientais de que são vitimas. Voltamos a Barthes para compreender "Honório-construtor de mitos" no sentido aqui revelado: "a construção de mitos é uma forma de subjugação, pois é “uma das nossas servidões maiores: o divórcio assustador entre a mitologia e o conhecimento. A ciência vai depressa e direita ao seu caminho; mas as representações colectivas não seguem, elas têm séculos de atraso, e são mantidas estagnadas nos erros pelo poder, a grande imprensa e os valores da ordem
Aqui, no concelho de Sines, o que se tem passado, desde há décadas, é a tentativa de impor uma representação colectiva que parta do príncipio - não demonstrado por quem tem a responsabilidade e aobrigação de tornar essa demonstração inequívoca - de que tudo está bem do ponto de vista ambiental. Não porque o conhecimento disponível não permita saber sem reservas o que realmente se passa, mas tão somente porque esse é o interesse dos detentores do poder económico e dos seus servidores cada um deles, à sua escala, um pequeno construtor de mitos.


 

Pedra do Homem, 2007



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